sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011 será o que você fizer dele! Seja feliz!



Epitáfio /Titãs


Que em 2011 a gente trabalhe menos, complique menos a vida,ame mais,se arrisque mais,veja o sol se por vezes sem conta e viva de amor!


A todos que por aqui passaram em 2010 e os que passarão em 2011...
Muitos beijos e Happy New Year!!!!!!!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Feliz Natal!



A todos os meu amigos ,


aos mais próximos,
aos mais distantes,
aos velhos,
aos novos,
aos presentes ,
aos ausentes...

a àqueles que , anonimamente, por aqui passaram, marcando em números sua presença silenciosa...

Queridos...que o verdadeiro Natal esteja dentro de nós .

...que possamos amar mais e melhor,sem egoísmo e com despreendimento, a família, os amigos ,mas , sobretudo, aqueles que mais necessitam de carinho e amor.

Um beijo profundo  ...e...Feliz Natal!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O sabor da memória.


As bolas vermelhas brilham faiscantes na imensa árvore artificial. O silêncio é quebrado pelo rumor da minha memória.Ela me vem através de gosto e cheiro...o perfume do cipreste do Natal da minha infância. O gosto do bolo xadrez depois da Missa do Galo....o vinho adocicado e brilhante na taça translúcida em cima da toalha adamascada.

Estranho que tanto tempo se tenha passado. Uma vida. No entanto, aí está com a nitidez de algo que nunca vai se apagar.Os natais da minha infância eram feitos de dezenas de presépios que se multiplicavam em cores e luzes nas casas abertas de amigos.Presentes raros e parcos, presenças fartas ,doces e preciosas. E família, amigos,sonhos...tantos.
Na cama,desde cedo,vestido e sapatos novos que eu não me cansava de olhar.Tocá-los era puro prazer. Quanto disso eu percebia na época? Muito.
Tenho certeza agora de que aquela inefável sensação de alegria existia real dentro de mim. E ficou para sempre intocada em algum lugar que não sei qual é.
O surpreendente é que a recobrei hoje , não sem muita nostalgia.Fiquei muito tempo mergulhada em um tempo que se foi ,mas ficou.Estendo a mão para tocá-lo. Mas não há.
O perfume do cipreste e o gosto do bolo , no entanto,estão vivos, vivíssimos.Sinto- os com todos os meus sentidos em todas as suas nuances.
Eles se chamam SAUDADE.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Preste atenção nos sinais...


Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.


Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você esta esperando desde o dia em que nasceu.


Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d'água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.


Se o primeiro e o ultimo pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente divino - o amor.


Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em troca receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.


Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lagrimas e enxuga-las com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.


Se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela tivesse ali do seu lado...


Se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados...


Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro que esta marcado para a noite...


Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...


Se você tiver a certeza que vai ver a outra envelhecendo e, mesmo assim,tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela...


Se você preferir morrer, antes de ver a outra partindo : é o amor que chegou na sua vida. É uma dádiva. Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. Ou as vezes encontram e, por não prestarem atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixa-lo acontecer verdadeiramente.


Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR...

O amor segundo Drummond.



Paixões nascem e morrem, mas o amor verdadeiro vem para ficar. Você já encontrou um amor assim?

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Voz numa pedra.

Não adoro o passado

não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento


Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a ação
porque caminhará adiante dela»
 Os pregadores de morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal

Mário Cesariny


O que é o milagre da verdade? Onde está?E quem o detém?

domingo, 5 de dezembro de 2010

Drummond ,um alumbramento.

NOITE
Há tantas coisas germinando na noite, que nem sei como enumerá-las. À noite nascem as revoluções tanto as que vão triunfar como as que só se realizam em pensamento, e são quase todas. Os revolucionários viram-se, inquietos, na cama. E também os que se converterão, pela manhã, a religiões novas. E os amorosos. Análises emocionais levadas ao extremo da tortura arrastam-se pela horas lentas da noite. Como a noite é rica! A noite é o tempo de não dormir; é o de velar e procurar; de criar mundos.

Demétrio quis prolongar a noite obturando todas as frestas do quarto, para que não entrasse a luz. Luz não entrou. Demétrio gozou da noite plena, continuada, e todos os pensamentos lhe floresciam. Construiu sistemas filosóficos. A escuridão era propícia a teorias políticas. Nenhum crítico foi mais perspicaz do que Demétrio, na literatura e nas artes. Aquela noite era fantástica. Demétrio quis experimentar as sensações de horror, êxtase, humilhação, glória, poder e morte. Morreu, mesmo no escuro. Tendo sentido a morte em seu interior físico, não pôde mais tirá-la de si. É o único morto, conscientemente morto, de que já ouvi falar nesta vida. A noite é fantástica.

Contos Plausíveis, (1992): Poesia e Prosa, Rio de Janeiro: Aguilar, pg. 1240´
Carlos Drummond de Andrade


O SOBREVIVENTE
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)


Drummond por ele mesmo:
— A crônica eu faço profissionalmente, porque preciso ganhar dinheiro. O jornal me paga, então eu debulho aquilo como uma coisa até meio mecânica. Uma vez ou outra é que me sinto assim com mais prazer; fora disso, faço aquilo por obrigação. Não é uma obrigação tediosa porque procuro fazer corretamente, para não chatear demais o leitor. Mas sinto que às vezes chateia, porque aparecem reações. Um sujeito me escreveu de São Paulo, sem se identificar, dizendo: “Pára de escrever ‘O avesso das coisas’, você está muito chato!”. Eu recebo isso com humildade, é um direito do leitor, que comprou o jornal e não gostou daquilo. Já o professor Idel Becker, que é autor de um dicionário espanhol–português, ficou entusiasmado, mandou os recortes pra um amigo latino-americano, ele achou as máximas formidáveis, melhores que as de Ramón Gómez de la Serna. Só que Ramón Gómez de la Serna não tem boas máximas, ser melhor do que ele não é grande coisa, não… Mas eu escrevo prosa por obrigação. Meu tesão, mesmo, é a poesia.


In Drummond: a lição do poeta. Teresina, Corisco, 2002:

Foi acidental...Passeando pela Net ,encontrei alguns textos de Drummond que não são usuais na coletânea  que todos conhecem. Não são menores , nem melhores que os demais. São Drummond, um universo poético em prosa e verso que dispensa  apresentação. São apenas "escondidos", porque não divulgados.
Poderia ter publicado um e seguido adiante, afinal há um acervo literário riquíssimo a ser desvendado.Mas...não consegui.Quanto mais enveredo pelos caminhos de Drummond, mais quero permanecer ali.Um homem tímido,doce,APARENTEMENTE insignificante,um gigante em sensibilidade e talento para escrever.Ele se foi, sem nunca ter ido.


Ele escreveu prosa para ganhar dinheiro, e poesia por tesão. Essa é a opinião DELE...e a sua?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Falsa Eternidade.

O verbo prorrogar entrou em pleno vigor, e não só se prorrogaram os mandatos como o vencimento de dívidas e dos compromissos de toda sorte. Tudo passou a existir além do tempo estabelecido. Em consequência não havia mais tempo.


Então suprimiram-se os relógios, as agendas e os calendários. Foi eliminado o ensino de História para que História? Se tudo era a mesma coisa, sem perspectiva de mudança.


A duração normal da vida também foi prorrogada e, porque a morte deixasse de existir, proclamou-se que tudo entrava no regime de eternidade. Aí começou a chover, e a eternidade se mostrou encharcada e lúgubre. E o seria para sempre, mas não foi. Um mecânico que se entediava em demasia com a eternidade aquática inventou um dispositivo para não se molhar. Causou a maior admiração e começou a receber inúmeras encomendas. A chuva foi neutralizada e, por falta de objetivo, cessou. Todas as formas de duração infinita foram cessando igualmente.


Certa manhã, tornou-se irrefutável que a vida voltara ao signo do provisório e do contingente. Eram observados outra vez prazos, limites. Tudo refloresceu. O filósofo concluiu que não se deve plagiar a eternidade.

Contos Plausíveis, in Andrade, C. D. (1992): Poesia e Prosa, Rio de Janeiro: Aguilar, pg. 1233.

 
 
Falar mais o quê? Drummond total.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Obrigada!


Inacreditável! Um blog que começou despretensiosamente só " para salvar uma crônica sentimental" recebeu 50.000 visitas  em 4 anos. Visitas são PESSOAS. É muito. Mesmo.E é lindo.

Obrigadaaaaaa! A todos que por aqui passaram de qualquer maneira,silenciosa ou explicitamente,tornando-se cúmplices de uma parte significativa do que foi e é minha vida.

beijos e beijos.


Felicidade se acha é em horinhas de descuido

Guimarães Rosa

sábado, 27 de novembro de 2010

A solidão é a distância entre a seiva profunda e a casca.

(...) Deixe lá, não tome as minhas palavras como uma censura, deu-me até muito gosto que tivesse aparecido, esta primeira noite, provavelmente, não ia ser fácil, Medo, Assustei-me um pouco quando ouvi bater, não me lembrei que pudesse ser você, mas não estava com medo, era apenas a solidão, Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isso é, Sempre vivi só, Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz, Você está a tresvariar, tudo quanto menciona está ligado está ligado entre si, aí não há nenhuma solidão, Deixemos a árvore, olhe para dentro de si e veja a solidão, Como disse o outro, solitário andar por entre a gente, Pior do que isso, solitário estar onde nem nós próprios estamos (...)

José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis


...porque nesse ano as perdas são muitas e Saramago, mesmo permanecendo,quando se foi, me deixou mais só.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Amor incondicional.


Minha querida Titi...

Quando você partiu , hoje, pela manhã, eu não consegui compreender como o sol continuou a brilhar e o céu permaneceu azul, enquanto a minha alma perdia a cor e o brilho.

Durante mais de 16 anos , você foi a presença silenciosa ao meu lado, mesmo quando fingia dormir e me observava. Voltar para casa sem você, foi não ter alguém atrás da porta , pressentindo minha chegada e me fazendo festa porque estava feliz. Nunca mais você estará lá, e não sei como me acostumar sem o barulho dos seus pezinhos pelo assoalho.

Porém minha querida, seu coração , simplesmente parou. Há alguns dias , você insistentemente me olhava, sem me ver, como que pedindo socorro.

Olhou, pela última vez ,nessa manhã,com seus olhinhos baços, com suas perninhas trôpegas e eu tentei ajudá-la... Não deu.

Você se foi em um cantinho do meu carro, encolhidinha, assim como viveu pelos cantinhos do meu quarto, da sala, na sua almofada, na sua caminha. ..e é assim que que você vai continuar viva para sempre : em um cantinho do meu coração.

Obrigada por alguns anos da minha vida que foram a sua inteira.

domingo, 21 de novembro de 2010

É muito bom estar aqui...

Um presente especial :http://emapretoebrancoouacores.blogspot.com/

Dores acontecem sem aviso prévio.Instalam-se de mansinho, vem e vão com uma autonomia que não lhes conferimos, mas que elas possuem. Fui acometida por algumas delas que se somaram e a física acentuou-se e sobrepujou a emocional. Não é o amor, nem o ódio, os sentimentos mais poderosos que nos possuem,     é o medo . Quando somos detentores dele ,uma névoa nos impede de ver ou sentir ...Medo é o limite que nos proibe de cometer excessos, mas também faz com que fantasmas adquiram vida.Há, contudo, um instrumento poderoso que bem manejado tem o alcance que quisermos lhe dar : a palavra.

Sempre soube que a palavra é mágica. Capaz de nos derrubar, é, no entanto, responsável pelo nosso sucesso, nossa auto-estima, pela vibração positiva que podemos espargir e por congregar pessoas e afetos. Tenho vivenciado isso com uma nitidez assombrosa.

Estou me sentindo “possuidora” de algumas palavrinhas que podem afirmar isso com convicção : amor, agradecimento, alegria,certeza de que ( como disse de uma maneira muito feliz a Em@) pessoas podem transpor um oceano e se relacionar com sensibilidade e delicadeza.

Assim,obrigada pelos comentários,pelos emails, pela presença explicita ou silenciosa, pelo carinho, enfim por vocês terem descortinado meu horizonte, mostrando-me que amor não tem tempo, idade, distância, contexto. Ele está no ar... só as pessoas especiais conseguem vê-lo e tocá-lo. Vocês são especiais. É maravilhoso tê-los aqui.

Obrigada.
Beijos e beijos.

PS: a jóia especial que ilustra esse post foi um presente da Em@. Dourada como seu talento, brilhante como sua generosidade.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Absoluto vazio existencial.


Há alguns dias ( ou seriam meses?...) tenho estado silenciosa. Desencantada? Caustica? Crítica? Talvez, esse silêncio me faça enxergar mais do que quero ver. Não sei...

Olho à minha volta e não gosto do que me circunda, nem do que sinto. Fazer parte da superficialidade com que se estabelecem as relações pessoais próximas e distantes está me deixando fragilizada. Há algum tempo estou me sentindo inadequada sem conseguir descobrir em relação a quê. Não consigo existir assim. Preciso de profundidade.
De pé no chão.
De base.
Sinto enorme falta de olhos nos olhos, de emoção do abraço apertado, de sorriso prazeroso de encontros e reencontros, de amenidade gostosa do bem-querer descompromissado e gratuito saboreado ao largo de uma xícara de café, de camaradagem profissional. Falta de simplesmente me deixar ser e entrar no ritmo da vida.
Onde estão a verdade,
o afeto,
a lealdade,
a alegria pura de ser o que se é,
sem cobranças , sem parâmetros de comparação e sem culpas?
Em um cotidiano sem tréguas, feroz e competitivo, o mundo caminha por uma trilha onde sucesso é sinônimo de prioridades materiais e prestígio público. Uma indizível solidão salta dos olhos das pessoas que já não se fitam , nem se amam.Não se importam...
afinal poder tem sido melhor do que ser.

Absoluto vazio existencial.

Ter consciência disso , fazer parte disso , é, como diria Clarice Lispector,“uma lucidez perigosa”.O que fazer com essa certeza?
Definitivamente não quero isso para mim...Talvez me faltem - ainda- coragem e ousadia para quebrar o faz-de-conta e ser sozinha mesmo, porque é assim que vou estar, quando ousar ser alguém e não algo.
Mas, então,pode ser esse o meu alumbramento : encontrar a mim mesma para ser minha companhia!

domingo, 31 de outubro de 2010

...porque eu me imaginava mais forte.

By Alyssa Monks
(…) Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte ” (pp.42-43).


(…) Talvez eu tenha de chamar de “mundo” esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que “Deus” é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. (…) Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe” (pp.44-45).

Clarice Lispector, Felicidade clandestina: contos, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1998, 
Conto “Perdoando Deus”.


Ler Clarice é um exercício de clarividência, angústia e questionamentos...quase sempre sem respostas.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma preciosidade que eu preciso partilhar...

Publicado originalmente no blog da Tati: http://tatifurlan.blogspot.com/

"É possivel ver poesia em qualquer lugar. Depende de como a gente olha" ( Jarbas Agnelli)

Vejam até o fim. Vale a pena.





Depois disso, fico me perguntando quantas pessoas como essa, simples , sensíveis e talentosas, existem por aí sem serem descobertas. Que pena ! E que bom que a Tati nos apresentou o Jarbas...melhor ainda poder partilhá-lo aqui.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

...sob o coração, quase esperança sem nome.




É esta a mais grandiosa história dos homens, a de tudo o que estremece, sonha, espera e tenta, sob a carapaça da sua consciência, sob a pele, sob os nervos, sob os dias felizes e monótonos, os desejos concretos, a banalidade que escorre das suas vidas, os seus crimes e as suas redenções, as suas vítimas e os seus algozes, a concordância dos seus sentidos com a sua moral.


Tudo o que vivemos nos faz inimigos, estranhos, incapazes de fraternidade. Mas o que fica irrealizado, sombrio, vencido, dentro da alma mais mesquinha e apagada, é o bastante para irmanar esta semente humana cujos triunfos mais maravilhosos jamais se igualam com o que, em nós mesmos, ficará para sempre renúncia, desespero e vaga vibração.


O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome.



Agustina Bessa-Luís in A Sibila

 Imperdível, comovente, grandioso...mais um "gol" da Literatura Portuguesa

sábado, 23 de outubro de 2010

Nada é eterno.


(...)Naturalmente, nada impede que você recoloque a cadeira no mesmo lugar de antes, se sente nela e permaneça ali por quanto tempo quiser, ou conseguir, e durante todo esse tempo goze a sensação de estar na posse da sua materialidade perdida. Mas essa sensação é ilusória, pois esses vestígios não fazem mais parte de você: só podem ser ocupados provisoriamente, como uma roupa que se veste. Assim que se cansar desse jogo e se levantar da cadeira, você vai voltar a perdê-los: mais ainda, vai perder também uma pequena porção adicional de sua matéria, mais vestígios seus que vão ficar no ar, superpostos aos anteriores.


Esses vestígios mais cedo ou mais tarde vão se dispersar, com o movimento constante de corpos no quarto, e se perder para sempre. Assim, você está constantemente largando camadas sucessivas de seu ser, desintegrando-se a cada instante de sua existência no espaço; e é por isso que você não é eterno, não pode ser eterno, pelo mesmo motivo que um lápis ou uma borracha não podem ser eternos.


Mas há uma maneira simples de alterar essa situação - quer dizer, não alterá-la objetivamente, o que seria impossível, e sim modificar o modo como você a vivencia (e como você só sabe das situações o que vivencia delas, para todos os fins práticos modificar sua percepção de uma situação é a mesma coisa que modificar a situação em si): basta sentar-se na cadeira, pegar um lápis e uma folha de papel, e começar a escrever.


in Paraísos Artificiais ( P.H.Britto)
´


É instigante  lembrar que passamos pela vida e de nós se vão até os vestígios.Que a vida se desintegra  por completo,mesmo a simples memória. A única permanência possível está em palavras . É de uma clareza contundente constatar isso.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A seriedade não é uma virtude.






A gente “se fixa” numa espécie de seriedade egoísta; mas é preciso erguer-se para um alegre esquecimento de si mesmo. Um homem “se afunda” num escritório marrom; mas ele tenta alcançar um céu azul. A seriedade não é uma virtude. Seria uma heresia, mas uma heresia muito mais sensata, dizer que a seriedade é um vício. É na verdade um lapso ou tendência natural a levar-se muito a sério, porque é a coisa mais fácil de fazer. Pois a solenidade flui dos homens naturalmente; mas o riso é um salto. É fácil ser pesado, é difícil ser leve.”

G.K. Chesterton em Ortodoxia

Talvez esteja em "levar-se a sério" uma das grandes angústias do século.A falta de humor no cotidiano, seja em relação a nós próprios ou ao contexto em que vivemos,faz com que não tenhamos leveza para
administrar  a vida. Sem dúvida, é mais fácil ser pesado!E mais doído , também...

sábado, 16 de outubro de 2010

Ostra feliz não faz pérola.

“Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos – seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.

Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário.
Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão...” Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda.

Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para a sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras de repente seus dentes bateram numa objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-o em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola.

Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou a pérola e deu-a de presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz...”

Ostra feliz não faz pérolas. Isso vale para as ostras e vale para nós, seres humanos. As pessoas que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida. E fazem bem. Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver.


Assim é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas. Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico. Raramente é sofrimento físico. Na maioria das vezes são dores na alma.




Rubem Alves in Quarto de Badulaques.
 
...para reflexão.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A Lei do Palhaço - mensagem de um professor.


"Conta certa história que numa determinada cidade apareceu um circo. Entre os seus artistas havia um palhaço, com um poder de divertir, sem medida, as pessoas da platéia. O riso que provocava era tão bom, tão profundo e natural que se tornava terapêutico.
Todos os que padeciam de tristezas agudas ou crônicas passaram a ser indicados pelo médico do lugar para que assistissem ao tal artista, que ele mesmo tinha visto atuar e que possuía o dom de fazer reduzir ou até mesmo eliminar angústias.


Um dia, porém, um morador desconhecido, tomado de profunda depressão, procurou o médico. Este então, sem relutar, indicou o circo como o lugar de cura de todos os males daquela natureza, de abrandamento de dores da alma, de iluminação de todos os cantos escuros de um "jeito perdido" de ser, de tristezas com ou sem causa. O homem nada disse, levantou-se, caminhou em direção à porta e quando já estava saindo, virou-se, olhou o médico nos olhos e sentenciou:

"Não posso procurar o circo... aí está o meu problema: eu sou o palhaço!".


Como professor vejo que, muitas vezes, sou esse palhaço, alguém que trabalhou para construir os outros e não vê resultado muito claro daquilo que fez e faz. Tenho a impressão que ensino no vazio (e sei que não estou só nesse sentimento) porque depois de formados, meus ex-alunos parecem se acostumar rapidamente com aquele mundo de iniqüidades que combatíamos. Parece que quando meus meninos(as) caem no mercado de trabalho, a única coisa que importa é quanto cada um vai lucrar, não importando quem vai pagar essa conta e nem se alguém vai ser lesado nesse processo. Aprenderam rindo, mas não querem passar o riso à frente e nem se comovem com o choro alheio.


Digo isso, até em tom de desabafo, porque vejo que cada dia mais meus alunos se gabam de desonestidades. Os que passam os outros para trás são heróis e os que protestam são otários, idiotas ou excluídos. É uma total inversão de virtudes, de conceitos... Vejo, encabulado, que alguns "professores" partilham daquelas mesmas idéias "modernas", defendem-nas em sala de aula e na sala de professores
e chegam até a se vangloriar disso. Essa ideia vem me assustando cada vez mais, desde que repreendi, numa conversa com alunos, o comportamento do cantor Zeca Pagodinho, no episódio da guerra das cervejas, e quase todos disseram que o cantor estava certo, tontos foram os que confiaram nele!


"O importante, professor, é que o cara embolsou milhões", disse-me um; outro: "daqui a pouco ninguém lembra mais... no Brasil é assim, e ele vai continuar sendo o Pagodinho, só que um pouco mais rico". Todos se entreolharam e riram; só eu, bobo que sou, fiquei sem graça.


O pior é que a gente se dá conta que no Brasil é assim mesmo, o que vale é a lei de Gérson: "o importante é levar vantagem em tudo". (Lei de Gérson... dá para rir...)


A pergunta é: é possível, pela lógica, que todo mundo ganhe? Para alguém ganhar é óbvio que alguém tem de perder?


A "lógica" que rola solta por aí - ao que tudo está a indicar - é guardar o troco a mais recebido no caixa do supermercado; é enrolar a aula fingindo que a matéria está sendo dada; é fingir que a apostila está aberta na matéria dada, mas usá-la como apoio enquanto se joga batalha naval, jogo da velha ou alguma outra coisa; é cortar a fila do cinema ou da entrada do show; é dizer que leu o livro, quando se ficou só no resumo (feito por outrem, geralmente )- ou na conversa com quem leu; é marcar só o gabarito, copiado do vizinho, prova em branco, alegando que "fez as contas de cabeça" ou que "tava na ponta da língüa"; é comprar na feira uma dúzia de quinze laranjas; é bater num carro parado e sair rápido, antes que alguém perceba; é brigar para baixar o preço mínimo das refeições nos restaurantes universitários, para sobrar mais dinheiro para a cerveja da tarde ou a balada da noite; é arrancar as páginas ou escrever nos livros das bibliotecas públicas; é arrancar placas de trânsito e colocá-las de enfeite no quarto; é trocar o voto por facilidades, empregos ou algo que se traduza em "algum"; é fraudar propaganda política mostrando ser ou ter realizado aquilo que nunca se foi ou que jamais se fez(assim como tantas duplas sertanejas, esta, Lula e Duda, incluída).


É a lógica da perpetuação da burrice. Quando um país perde, todo mundo perde.


E não adianta pensar que logo bateremos no fundo do poço, porque o poço não tem fundo.Parafraseando Schopenhauer: "Não há nada tão desgraçado na vida da gente que ainda não possa ficar pior".
Se os desonestos brasileiros voassem, nós nunca veríamos o sol.


Felizmente há os descontentes, os lutadores, os sonhadores, os que querem manter o sol aceso, brilhando e no alto.A luz é e sempre foi a metáfora da inteligência.


No entanto, de nada adianta o conhecimento sem o caráter.Que nas escolas seja tão importante ensinar Literatura, Matemática, História, Biologia e Educação Física quanto decência, senso de coletividade, coleguismo e respeito por si e pelos outros.


Acho que o mundo (e, sobretudo, o Brasil) hoje está a precisar mais de gente e de gente honesta do que de literatos, historiadores ou matemáticos.Ou o Brasil encontra e defende essas dignidades e abomina Zecas, Gérsons, Dirceus, Dudas (e todos os marqueteiros de eterno plantão para se darem bem), esses que chamam desonestidades flagrantes de "espertezas técnicas", ou o Brasil passa de "país do futebol mas de futuro" para "país do futefuro". Zipado e compacto.


De um Presidente da República espera-se mais do que choro e condecoração a garis honestos, espera-se honestidade em forma de trabalho e transparência. De professores, espera-se mais que discurso de bons modos, espera-se que mereçam o salário que ganham (pouco ou muito) agindo como quem é honesto. Sobretudo agindo como educadores, vendo no próximo, no jovem à sua frente, alguém como um filho seu que tivesse nascido em outro lar.


A honestidade não precisa de propaganda, nem de homenagens, precisa de exemplos.
Quem plantar joio, jamais colherá trigo.


Quando reflexões assim são feitas, cada um de nós se sente o palhaço perdido no palco das ilusões. A gente se sente vendendo o que não pode viver, não porque não mereça, mas porque não há ambiente para isso.
Quando seria de se esperar uma vaia coletiva pelo tombo, pelo golpe dado na decência, na coerência, na credibilidade, no senso de respeito, vemos a população em coro delirante gritando "bis" e, como todos sabemos, um bis não se despreza.


Então, uma pirueta, duas piruetas, bravo! bravo!
E vamos todos rindo e afinando o coro do "se eu livrar a minha cara, o resto que se dane”.


Enquanto isso o Brasil de irmã Dulce, de Manuel Bandeira, do Betinho, de Clarice Lispector, de Chiquinha Gonzaga e de muitos outros heróis e heroínas,anônimos que diminuíram a dor desse país com a sua obra, levanta-se, caminha em silêncio até a porta, vira-se e diz: "Esse é o problema...

eu sou o palhaço".




O original deste texto foi enviado por:
Prof. Sílvio Camerino P. Barreto.
(Solar Camerino - Recife - Pernambuco)


Esse texto já foi publicado aqui há dois anos atrás, mas é tão significativo que quero oferecê-lo a todos aqueles que  formam um exercíto anônimo em uma luta diuturna para que o país melhore, para que o mundo melhore- os professores por idealismo , os sonhadores, os que acreditam que o BRASIL  E O MUNDO SÓ TEM SAÍDA PELA EDUCAÇÃO.

Feliz Dia do Professor.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Do corpo repousado.

Talvez a vida não seja luminosa
Mas tem momentos: o lago da cama, o sol
Na lombada dos livros,
o joelho amável
Da mulher deitada.
Como vai ser a manhã
Não sei, ergo a minha taça.


Amadurece o mar, mergulho na luz
E regresso a casa: a boca na maçã
À sombra do teu olhar, a música
Dos gatos, as tuas mãos que envolvem
As árvores ao meio dia.
Sabor a terra,
Gota a gota na minha língua.

Caminho na praia como quem sente
As peles sobrepostas do mundo em volta
Do meu corpo, coração de pó
E sento-me em repouso a ouvir a respiração
Do vinho.
Talvez a noite não apague
Esta magia.

Casimiro de Brito in 69 Poemas de Amor,4Águas Editora 2008

Há uma fase da vida que poderíamos chamar de " da caça à felicidade".É uma violência para a qual não estamos preparados, pois na ópera cômica os amores são felizes porque são capazes de tocar o mundo exterior com a mágica leveza da graça e do riso.
Não é suficiente repousar o corpo, é preciso repouso da alma , para que a felicidade se instale quase imperceptível. É o bastante!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Um presente para meus amigos...

...desejando que cada um consiga, à sua maneira ,captar a magia  que  está implícita nesses dois vídeos.

Beijos



De tudo ficaram três coisas...



"De tudo ficaram três coisas:

A certeza de que estamos começando,
A certeza de que é preciso continuar e
A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar.


Fazer da interrupção um caminho novo,
Fazer da queda um passo de dança,
Do medo uma escola,
Do sonho uma ponte,
Da procura um encontro,


E assim terá valido a pena existir."

Fernando Sabino


Sem palavras...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Sempre é hora de embriagar-se...


É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vega, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão:


“É hora de embriagar-se”!


Para “não serem os escravos martirizados do tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso” Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.

Charles Baudelaire


A todos aqueles que são capazes de viver embriagados, sobretudo , de paixão por si e pela  vida!

domingo, 3 de outubro de 2010

Aprendendo a olhar...


A Arte de Ser Feliz

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas, todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e , em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual para que o jardim não morresse.E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros ,e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes , abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola.Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham a boca sonhando com pardais.Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta.Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela,uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


Cecília Meirelles(Quadrante- 2ª edição, Rio, 1962)


No meu intenso ofício de aprendiz da vida , descobri - aos pouquinhos- que é preciso mais do que olhar o que nos rodeia. É necessário ver,analisar, render-se à realidade e apegar-se aos sonhos.Sempre olhando e ...vendo.
Em verdade,não percebemos que somos felizes, no cotidiano, vivendo acontecimentos corriqueiros e habituais.
Frequentemente, olhamos “sem ver” , não conseguimos avaliar em profundidade o que está ao nosso alcance.
Aprender a “ olhar e ver” – uma “leitura” essencial do mundo.Um execício difícil e cotidiano.

sábado, 2 de outubro de 2010

A glória do vôo.

"Não tardou muito para que Fernão Gaivota voltasse a pairar no céu, sozinho, esfomeado, feliz, aprendendo. Revoltava-o saber que uma gaivota era uma presa fácil, por voar muito devagar.


O tema era a velocidade. E depois de uma semana de prática, conseguira aprender mais sobre velocidade do que a gaivota viva mais rápida.


Aprendeu que encurtando as asas, como as asas do falcão, poderia atingir em mergulho a velocidade fantástica de trezentos e vinte quilómetros por hora.


Isto aconteceu numa manhã, logo a seguir ao nascer do sol, Fernão Gaivota atravessou o Bando da Alimentação que perseguia um barco de pesca; como uma bala, riscando o céu a trezentos e vinte quilómetros por hora, num tremendo rugido de vento e penas. A Gaivota da Fortuna sorriu-lhe desta vez e ninguém foi ferido.


Radiante, pensava no bando, "Ficarão loucos de alegria. Como vale a pena agora viver! Em vez da monótona labuta de procurar peixe junto dos barcos de pesca, temos uma razão para estar vivos! Podemos subtrair-nos à ignorância, podemos encontrar-nos como criaturas excelentes, inteligentes e hábeis. Podemos ser livres! Podemos aprender a voar!"


Ao voltar à noite para o bando, Fernão foi chamado ao centro. As palavras do mais velho foram pronunciadas no tom mais solene. Ser chamado ao centro só podia significar grande vergonha ou grande honra.

Fernão Gaivota - disse o mais velho -, é chamado ao centro por vergonha aos olhos das gaivotas suas semelhantes... pela sua desastrada irresponsabilidade por violar a dignidade e tradição da família das gaivotas... não se pode esquecer, que estamos neste mundo para comer e para nos mantermos vivos tanto quanto pudermos.


Uma gaivota nunca contesta o Conselho do Bando, mas a voz de Fernão ergueu-se gritando:


Quem é mais responsável do que uma gaivota que descobre e desenvolve um significado, um propósito mais elevado na vida? Passamos mil anos lutando por cabeças de peixe, mas agora temos uma razão para viver, para aprender, para descobrir, para sermos livres!


O bando mostrou-se impenetrável como a pedra. Fernão foi banido da sociedade das gaivotas, condenado para a vida solitária nos Penhascos Longínquos.


Fernão Gaivota passou o resto dos dias sozinho, mas voou muito além dos Penhascos Longínquos. A solidão não o entristecia. Entristecia-o que as outras gaivotas se tivessem recusado a acreditar na glória do vôo que as esperava. Recusaram -se a abrir os olhos e a ver."


Richard Bach

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Férias...um encontro de mim comigo.

Em 03/07 , à noite, quando as pessoas que amo ( neta e filha) foram-se embora, entrei em casa com a sensação de deserto. Não sabia bem o que fazer de mim, e do oco que se me apresentava.

O som da TV, a tela do computador, a noite inteira à minha disposição ( era sexta-feira!)nada era companhia. Tentei dormir, em vão. Como se preenche o vazio ? E com quê? Adormeci pelo cansaço.

Mas...no dia seguinte dei-me conta de uma coisa preciosa –não me lembro de tê-la vivido antes :O MEU TEMPO NÃO TINHA RELÓGIO!

Os dias eram inteirinhos meus,sem fogão, sem planejamento de aulas , sem corrigir redações, sem hora para almoçar , dormir... Podia ir para onde quisesse e quando quisesse. E surpreendentemente sem nada e ninguém pra me dizer o que fazer, quando e como. Em principio, muito esquisito, mas daí a um pouco as férias começaram a me parecer atraentes...muito atraentes.

Passaram-se 12 dias, desde então. E tirando a ausência das pessoas que me completam ( porque em circunstancia alguma se tira férias de alguém que se ama...)foram dias absolutos de encontro de mim comigo-mesma.

Em primeiro lugar, o silêncio. Delicioso silêncio Aquele inefável silêncio que fala mais alto do que qualquer som.E eu não queria falar , nem ouvir.

E depois o depois.

Comer quando -e se -tivesse fome.
Levantar-me e sentar-me –sem culpa – diante da TV às 7.30 da manhã para assistir a um cult em branco -e -preto, Crepúsculo dos Deuses ( um clássico de 1900 e nada) e gostar sem remorso;ouvir boleros pela casa e cantarolar Lucho Gatica ( bem desafinadamente...rs)sem que ninguém zombasse do que eu gosto; ler tanto e tanto a ponto de fazer calos nos olhos ( e sem interrupção programada);escrever no blog e nas agendas aos borbotões; dar-me ao luxo de não atender telefone, porque realmente não queria falar com ninguém e por nenhum motivo; sair de casa só para tomar um sorvete ; tomar intermináveis banhos quentinhos , enquanto as vidraças embaçavam;tomar as borbulhas de um vinho Lambrusco bem gelado; assistir ao memorial ao Michael Jackson e chorar de pena dele, porque viveu e morreu sozinho, apesar de sempre acompanhado; chorar durante show do Roberto, ao me dar conta de que ali também estava muito da minha vida ...

...quanta coisa mais eu fiz por mim e para mim.

Cheguei até a me cadastrar no Twitter ( ora , vejam só...sozinha!!!! sem ajuda de ninguém e entrei em textos lindíssimos de pessoas que tem muito pra dizer). Fala sério! Férias é isso.

Inclusive não arrumei nenhum armário, guarda-roupa, ou qualquer coisa que precisasse de ordem., porque eu precisava era mesmo de desordem exterior e interior para poder me reorganizar.

Amanhã isso acaba. Aliás, só foi bom porque, um dia, acabaria. São as exceções, não as regras, que nos colocam em pauta. Estou com saudades imensas das minhas baixinhas (uma bem altinha, já...) que vou ver amanhã.Elas são o meu porquê.

Ainda haverá dias semi-ociosos, mas quando todos os que conheço e com quem converso ( poucos, acreditem...) contarem sobre suas viagens maravilhosas por esse mundão de Deus, mesmo que eu fique em silêncio, estarei sabendo que fiz a grande viagem.

Viajei para fora e para dentro de mim mesma e – o melhor –fiz planos. Planos? Sim, planos...

porque ,onde , hoje, há pássaros, fatalmente , amanhã, haverá vôo!


Em 15 de Julho de 2009

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma reflexão ...em dó maior.



Depois de ter vivido uma vida bastante longa e atribulada, hesito em dizer quem sou, como sou, porque sou...Realmente , não sei.

Tenho uma dualidade muito peculiar,ambígua, sou acessível, porém introspectiva naquilo que me diz respeito.Não sou de palco, atuo muito bem nos bastidores e gosto de estar lá. Refletores e luzes , minha alma precisa deles, não meu corpo.

Refletir e estar sozinha fazem-me bastante bem , porque é nesses momentos que me reencontro seja lá para o que for. Se rememoro algo triste, tenho lágrimas suficientes para lavar a dor , e seguir em frente. Se é algo conflituoso e complicado que me aflige, respiro fundo, busco coragem sei lá onde e recomeço. Sou dura na queda.

Contar comigo é regra, talvez porque tenha aprendido, a duras penas, que colocar expectativas nos outros é um convite à frustração. Demorei uma vida para descobrir segredos simples que poderiam ter tornado minha travessia por esse mundo muito mais leve. Tarde, porém a tempo. Engana-se quem pensa que descobri o caminho para a felicidade, apenas aprendi a atenuar as dores e os percalços do caminho.

Algo que sempre me preocupou , desde que criei o blog, era o fato de me expor. Decidi que não o faria e fui buscar em maravilhosos textos - não meus-a cumplicidade que faltava para preencher os espaços vazios. Mas, há dois dias atrás, movida por um impulso inexplicável de trazer ao presente um ontem especial que é intrínseco na minha história, postei um texto íntimo e pessoal. Era de mim para mim, mas acabou sendo de mim para o mundo. Quando me dei conta, o particular se tornara público.

Percebo agora que essa auto-exposição não foi ontem. Nasceu com o blog em cada palavra,cada vírgula, cada pausa, cada imagem ,cada reticência, cada entrelinha, cada texto escolhido... Milimetricamente, com sutileza, como a uma colcha de retalhos fui sendo tecida ,dia após dia, diante de mil olhos atrás dessa tela e , talvez, diante de mim, por tudo o que escolhi dizer aqui. Isso não é um desabafo, não estou arrependida, não...é apenas uma constatação.

Sei, no entanto , que, desde ontem, deixei de ver meus amigos virtuais como letras, textos, nomes .Eles passaram a ser muito mais :presenças de Pessoas que vou procurar construir melhor no meu imaginário, do mesmo modo com que me vi, pelos sinais. E , pelo que já conheço de cada um, poderei iniciar uma feliz sinfonia coletiva , cheia de notas e cores:

Haverá Frutos de Mim e Mar nas Interioridades de Tons de Azul .A Flor da Vida receberá um Beijo à noite, e nos mostrará que É Tudo Igual . As Horas Rotas poderão trazer as Cartas de Tiro em uma Big bag of Dreams. Com Paz & Arroz faremos uma grande festa para a qual virão a Em@ e a Zambesiana. Tudo será iluminado por uma doce Lanterna Romântica, pontilhado por Searas de Versos e profundamente guardado nas verdes Planícies da Memória. E muito e muitos mais...

Outras notas e cores ainda virão ...e a música sempre se renovará, porque lá no âmago de cada um, todos os que estamos aqui, na blogosfera, somos e vivemos desassossegados.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

E então...soprou um vento de imensa ventura.


E então...
soprou um vento de imensa ventura.

Eu senti meu coração, dourado de sol,
transbordando de amor, transbordante de você...
Olhei seus olhos e me vi neles.

De repente, você tomou-me nos braços, afagou-me a cintura,
recolheu-me em seu peito.
Meu coração inquieto pulsava mais do que o seu...
Faminto, você me colheu como a um fruto!
Sedenta, eu o bebi como a agua!
Você marcou seus dentes em minha carne,
eu escorri minha boca em seu pescoço,
e me perdi...e nos perdemos.

Seus braços tomaram minhas formas,
minha mão desenhou a sua pele,
nossas bocas se uniram e esquecemos o começo e o fim.

depois, quando falamos,
senti que você era realidade em minha vida.

E então...soprou um vento de imensa ventura.

Gizelda



1968- Direto do " tunel do tempo", há 42 anos.
Intensamente vivido e guardado em uma agenda e no meu coração.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Não podemos perder nossa capacidade de indignação.


Não conhecemos nosso destino e nem as circunstâncias interiores e exteriores que o levarão ao sucesso ou ao malogro de nossas intenções de vida. O mal não necessita de nenhuma intrepidez de caráter: multiplica-se como sombra sem fonte de luz definida.

O bem requer um esforço de sociedade e uma disposição de vontade individual tais que sua realização é sempre um ato de coragem, como, aliás, a verdadeira alegria.
A distinção entre um e outro é objeto da ética e de seus finalismos morais.
A violência é a loucura do mal e a sua banalidade, para lembrarmos Hannah Arendt, pode ser mais danosa do que todos os maus instintos juntos.

Não podemos perder nossa capacidade de indignação.

A indigência ética - para lembrar agora uma expressão de Heidegger - de nossa época é o grande desafio de nossa sociedade. Buscar arrancá-la de um relativismo absoluto no qual tudo se compreende e tudo se perdoa, sem deixá-la resvalar pela pirambeira metafísica dos universalismos místicos e racionalistas, em que tudo se explica e nada se entende, é a tarefa maior que devemos nos propor realizar.

Estudar, sob os seus mais diferentes aspectos, os mecanismos da violência é, sem dúvida, um passo importante para o seu entendimento, mas não necessariamente para o seu perdão. Um pouco de Nietzche não fará mal a ninguém!


Violência : faces e máscaras.
In O mistério da impiedade

Carlos Vogt

"Por isso Deus lhes envia a operação do erro, para que creiam na mentira, e para que sejam julgados todos os que não creram na verdade, antes tiveram prazer na iniqüidade". (Tessalonicenses, 2: 11- 12).

Texto integral :http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio01.htm

IMPERDÍVEL.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cortázar, perfeito.


Te desafio a por e falar de mim, sem dar pista nenhuma de quem eu sou, apenas falando o que represento na tua vida.

Te amo por sobrancelha, por cabelo, te debato em corredores branquíssimos onde se jogam as fontes de luz,
te discuto em cada nome, te arranco com delicadeza de cicatriz, vou pondo em teu cabelo cinzas de relâmpago e fitas que dormiam na chuva.

Não quero que tenhas uma forma, que sejas precisamente o que vem atrás da tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitetura do nada,
acendendo suas lâmpadas no meio do encontro.

Todo amanhã é o quadro onde te invento e te desenho,
disposto a te apagar, assim, não és, muito menos com esse cabelo liso, esse sorriso.

Busco tua soma, a borda da taça onde o vinho é também lua e o espelho,
busco essa linha que faz o homem tremer numa galeria de museu.

Além do mais, te amo, e faz tempo e frio.


Julio Cortázar

Esse texto dispensa adendos. É demais.

domingo, 12 de setembro de 2010

Amigos...




Nessa madrugada acordei sobressaltada com uma sensação estranha de que algo estava fora do lugar. Inquieta, sem conseguir dormir e controlar o caos de pensamentos fui levada a lembranças de pessoas com as quais convivo e convivi.E me veio a incrível solidão de sentir-me longe dos amigos, aqueles para com os quais não são necessárias palavras, um olhar é mais.

Com uma clareza contundente pude selecionar conhecidos, colegas e , poucos , raros amigos. Estes ,os que por mim passaram e passam deixando a si próprios, e por quem também me deixei,cuja ausência é a presença mais nítida de ombro, de identidade, de complemento de abraço. Amor em duas mãos, incondicional, dia e noite.

Outros, os primeiros, transitórios ,oportunistas presenças na conveniência, na deslavada altitude de usufruir sem se dar, de transitoriedade, de olhos baixos porque não há como tê-los altos, Afinal não foi através de um olhar que Bentinho se perdeu em Capitu?...

É para os amigos preciosos que escrevo, hoje, na certeza de que não preciso citar nomes : eles sabem o quê e quem são. Poucos e bons.
Minha alma ficou repleta e em paz.
Então...adormeci.




Esse post já esteve nesse blog em setembro de 2009. Mas, ao lê-lo, hoje, senti uma necessidade premente de repeti-lo. Saudades de amigos raros que escreveram minha história , foram-se , mas permanecem nela de uma maneira definitiva.
Gostaria de tê-los aqui, mesmo que só para um abraço.

PS: Depois do comentário do AC, acredito ser essencial expor aqui um vínculo afetivo, que se criou com pessoas inacreditáveis que se tornaram meus amigos virtuais. Por eles sou abraçada sempre que postam aqui, mesmo em silêncio e quero abraçá-los de volta. E dizer que isso é algo que se construiu e que desejo que se multiplique e perdure.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

...diante dos nossos olhos.




Ás vezes,há um momento excepcional para a felicidade.

O campo das possibilidades infinitas se abre para nós e, assim sendo, muitas coisas tornam-se palpáveis, principalmente aqueles desejos há muito acalentados. Este é o momento em que os sonhos podem virar realidade.

...Mas,todos possuímos uma parte que rejeita a felicidade. Somos tão viciados em nossos próprios sofrimentos, que não sabemos reconhecer quando uma boa oportunidade se escancara diante de nossos olhos.

E a perdemos...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

As roupas da minha vida.


Dentro de um caixote ou dentro de um móvel de ébano precioso vou pôr a guardar as vestes da minha vida.
As roupas azuis.
E depois as vermelhas, as mais belas de todas.
E a seguir as amarelas.
E por fim de novo as azuis, mas muito mais desbotadas estas últimas do que as primeiras.
Vou guardá-las devotamente e com muita tristeza.

Quando vestir as roupas negras e quando morar dentro de uma casa negra, dentro de um quarto escuro, abrirei de vez em quando o móvel com alegria, com desejo e com desespero.
Verei as roupas e lembrar-me-ei da grande festa - que será nesse momento de todo finda.
Os móveis espalhados desordenadamente dentro das salas.
Pratos e copos partidos no chão.
Todas as velas gastas até ao fim.
Todo o vinho bebido.
Todos os convidados idos.
Cansados alguns estarão completamente sozinhos, como eu, dentro de casas escuras - outros mais cansados terão ido dormir.



Konstandinos Kavafis, in Vestes

A nossa vida se multiplica em mil outras vidas, bem ou mal vividas, não importa.As cores que elas têm são aquelas que lhes damos pelo entusiasmo ou pela tristeza com que as preenchemos.

Quando " a festa acabar", quero que a roupa guardada da minha vida seja amarela e intensa. Não quero guardar uma roupa branca e translúcida...

Você sabe de que cor é a roupa de sua vida?

.

sábado, 4 de setembro de 2010

Apenas...escolhas.


Estou só...

Minha parceira de vida – e de vôo - viajou nesse final de semana. Cíntia,8 anos e 9 meses de uma existência mágica tornaram -na o meu “vale a pena”. Fiquei vazia de vozes, de ruídos,de sorrisos, de beijos estalados, mas repleta de lembranças que teimam em permanecer.

Pairo sobre o que fui e que sou com um poder (?) oco de observar algo que não consigo explicar, nem mudar.
Dói.
E dói muito.

A consciência de que tudo, desde a primeira vez, não passou de uma escolha, torna-me perplexa e pequena.

Tenho e tive o que escolhi.
Não mais. Não menos.

Ir por ali e não por aqui,os caminhos se abrindo (...ou se fechando?) na fluidez do tempo que não me permitiu voltar.
Ou parar.

Não há balanço.Nem julgamento.
Não sei o bem ou o mal.
Não há estrutura emocional para avaliar estragos, nem para dosar sucesso, se algum houve.
Do infinito luminoso a um escuro poço sem escada.
Ou vice-e-versa.
Apenas foi.É.

Minha escala de valores contabiliza dores e alegrias com a mesma profundidade. Irreversíveis. Quase não acredito que as vivi.

Sair de mim, ver-me assim é, paradoxalmente,um soco na boca do estômago com uma rosa entre os dentes...e dói.


Gizelda, 31/03/2007

Replay...


Se essa "viagem existencial" não tivesse sido escrita ,ontem, ela o seria , hoje, com todas as palavras, vírgulas ,pontos e entrelinhas que aqui estão.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer...



Carta a Mário de Sá Carneiro


Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim. Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro.

Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueca. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.

Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a crianca triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Marco, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.

No jardim que entrevejo pelas janela caladas do meu sequestro, atiraram com todos os baloucos para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto; e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginacão, ter baloucos para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento.

Como à veladora do "Marinheiro" ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se.

Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena - chia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.

Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar.
Pode ser que, se não deitar hoje esta carta no correio amanha, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no "Livro do Desassossego". Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.

As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.

Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferentes destes.
De que cor será sentir?

Milhares de abracos do seu, sempre muito seu,

FERNANDO PESSOA

P.S. - Escrevi esta carta de um jacto. Relendo-a, vejo que, decididamente, a copiarei amanha, antes de lha mandar. Poucas vezes tenho tão completamente escrito o meu psiquismo, com todas as suas atitudes sentimentais e intelectuais, com toda a sua histero-neurastenia fundamental, com todas aquelas intersecções e esquinas na consciência de si-próprio que dele são tao características...
Você acha-me razão, não é verdade?

(em 14 de Marco de 1916)
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares



O que é esse Desassossego que me deixa sem fala? Fernando Pessoa...até onde um homem pode se dilacerar dessa maneira e nos presentear com essa obra?

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A gente se acostuma para não sofrer. E sofre.



Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar o café correndo porque está atrasado.
A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá para almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias de água potável.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma.


Marina Colassanti

Replay.

Acomodar-se,calar-se,poupar-se, consolar-se,preservar-se,esquecer-se...verbos que sangram, mas com os quais a gente se ACOSTUMA, porque estamos perdendo a capacidade de sonhar e realizar sonhos.

Como esse texto é triste!Como a nossa vida é triste!

sábado, 28 de agosto de 2010

Consciência sem ação é nada.



A maturidade facilita voos profundos na alma em busca do que construímos, do que somos e do que , provavelmente , gostaríamos de ter sido. O tempo , uma abstração aterradora,não engana ninguém. O que era, já não é mais. O que podia ter sido não o será jamais. O amanhã é uma névoa densa que pode se dissipar em pesada -ou suave- chuva.

Então, a gente reflete e se surpreende com o que pensa e o que sente. Quem sou eu? ... Quem são eles? E esse cotidiano?Meu Deus! O que houve? Como eu pude mudar assim? Ou...Será que tudo que me circunda sempre foi desse jeito e nunca percebi?Será?

Ah! Uma questão de olhar e ...ver, o que habitualmente não fazemos. Tudo é o que é, apenas nos incumbimos de enxergar o que nos é conveniente ,até que engolir sapos como se fossem príncipes torna-se mais indigesto do que é. Por quê? Porque é aviltante.

Vem a sensação de estarmos sendo enganados. Pelos outros? Não! Por nós próprios , o que é muito pior. Colocar expectativas fora de si é realmente um convite à frustração. Fazemos isso todos os dias com uma tranquilidade avassaladora, como se fosse algo normal.

Pois é...manhã de sábado, suja e empoeirada, sem chuva e sem perspectiva dela. Olho para fora, não vejo coisa alguma, a não ser a névoa que transforma o brilho do sol em baço e sem graça. Estou imersa em mim.


Acordei para a “ filosofia de bairro” : não sei o que quero ( talvez nunca vá saber), mas sei muito bem o que não quero.


OBS : texto sujeito a transformação no decorrer do dia.Por quê? Porque aqui é o Desassossego.

Ter consciência é nada, se não existe ação.Cabe-me, então, buscar o brilho do sol dentro de mim.É muito triste não acontecer. Ser apenas uma promessa.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A vida não é uma obra de arte.


Demoiselles D´Avignon -Picasso.


Todas as cartas de amor são ridículas, já advertiu poeticamente Fernando Pessoa na voz do seu heterônimo Álvaro de Campos. Não só as cartas de amor, ele acrescentou, mas também "os sentimentos esdrúxulos".

Na verdade, por pudor crítico, a gente tende a achar ridículos todos os sentimentos, ou todas as cartas e confissões sentimentais, esquecendo-se de que, como disse Pessoa no mesmo poema, "só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas".

Em matéria de emoções, o medo de ser ridículo nos faz mais ridículos. Impomos tantas restrições ao que vem do coração que somos capazes de exibir idéias pobres com o maior desplante, mas temos vergonha de demonstrar até os melhores sentimentos, ainda mais agora que os ventos pós-modernos propõem a razão cética e a lógica cínica como visão de mundo, confundindo tudo com pieguice, fraqueza ou capitulação sentimental.

Isso fica claro em certas situações críticas, na solidão noturna de um corredor de hospital, diante de riscos impensáveis, em face da doença de um filho. Nesses momentos, a alma cheia de cuidados e desassossegos se abre para o despudor sentimental, para a onda de solidariedade com a qual amigos, ah, os amigos, banham a nossa angústia.

Aí o que vale não é a linguagem convencional, incapaz de descrever a experiência, mas as formas emocionais de comunicação. Não importam os significantes mas os significados, os gestos gratuitos, aparentemente sem utilidade, uma palavra apenas, às vezes nem isso, um toque, um bilhete, um aperto de mão, um abraço mudo, um olhar úmido, um símbolo - nada de novo, de original, mas quanto conforto!

Costuma-se exaltar a cabeça como fonte da razão e denunciar o coração como sede da insensatez, como músculo incapaz de ter autocrítica e de ser original. Que seja assim. E daí? Nada pior do que uma idéia feita, mas nada melhor do que um sentimento usado. A cabeça pode gostar de novidade, mas o coração adora repetir o já provado. Se as idéias vivem da originalidade, os sentimentos gostam da redundância. Não é por acaso que o prazer procura a repetição.

As teorias da comunicação ensinam que só há informação quando há originalidade, ou seja, quanto menor for a redundância de uma mensagem, maior será a sua taxa de informação. Se você comunica a uma pessoa o que ela já sabe, a quantidade de informação é zero.

Não há dúvida de que isso funciona para a informação semântica. Ninguém lê jornal de ontem, nem vai atrás do já visto. Quando se muda de campo, porém, e se entra no terreno da mensagem sentimental, lírica ou emocional, parece ocorrer o contrário: o amor, a amizade e o afeto são recorrentes, insistentes, precisam, pedem confirmação.

Talvez por isso a gente não se canse de revisitar a poesia, a mais lírica das expressões. A redundância não diminui a beleza nem o teor poético de um poema. Nada mais prazeroso do que repetir versos de cor. Houve uma época em que nós, adolescentes, declamávamos poemas como hoje se recitam letras de rap. Revidava-se Drummond com Bandeira; a um Lorca se respondia com um Pessoa; cultivava-se João Cabral de Melo Neto e havia sempre um Vinicius para acalentar uma cantada.

A poesia serve para disfarçar o pudor e serve também para exprimir o indizível - aqueles estados de intensidade emocional que exigem formas requintadas e duradouras de expressão. Em certas horas, o melhor remédio são versos esparsos de esquecidos poemas. Eles vêm ao acaso, trazidos pela memória involuntária. "O sol tão claro lá fora e em minhalma anoitecendo'', de Bandeira, ou "Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo", também dele. "Há um amargo de boca na minha alma", de Pessoa. "Apagada e vil tristeza", de Camões, e assim por diante, como se fosse uma antologia do coração.

Em A insustentável leveza do ser, o best-seller que todo mundo leu nos anos 80, Kundera escreveu várias páginas sobre o perigo da manipulação de sentimentos pelo poder que em geral leva ao kitsch político, ou seja, à contravenção, ao engodo na política. É preciso cuidado porque o fenômeno ronda todas as formas de expressão do homem e está sempre à espreita das realizações artísticas.

Tudo bem, todo cuidado é pouco, não se faz arte com bons sentimentos - o kitsch é o mau gosto estético. Mas quem disse que a vida é uma obra de arte? Quem disse que o sentimento é kitsch?



Crônicas de um fim de século
Zuenir Ventura(crônica publicada no Jornal do Brasil, em 12/8/95)

Os sentimentos gostam de redundãncia,a cabeça gosta da novidade...é preciso mais?

sábado, 21 de agosto de 2010

Um presente especial.



Recebi esse selinho de JB do http://jb-emtonsdeazul.blogspot.com/ Um blog que é " ver para crer"!
Obrigada, minha querida!

Regras ;

a)- Postar o selo.

b)-Dizer 9 coisas sobre mim.
Como sou " desassossegada", muitas coisas mudam dentro e fora de mim, mas de algumas tenho certeza, como:

1- Adoro ficar sozinha (em silêncio), em especial pensando no que sou hoje e no que ainda quero ser.Melhor ainda se for logo cedinho, enquanto ouço apenas o gorjeio alegre dos pássaros.

2- Não posso viver sem livros.

3- Amo as manhãs de abril, com o céu muito azul, aliás minha estação preferida é o outono.

4-A época de floradas de ipê me encanta ( é agora), em especial os amarelos.Adoro árvores de qualquer espécie.Um " senhor" presente divino.

5- Minha cor preferida é amarelo em todos os tons.Luz, claridade, alegria...não gosto de nada obscuro, nem na cor, nem na vida.

6- Abomino política e políticos.

7- Não suporto pessoas prepotentes e arrogantes.

8- Troco qualquer banquete de grandes "chefs de cuisine" por um caprichado sanduíche.

9- Adoro champagne e suas borbulhas.

** Um adendo : amo animais , mas tenho especial apreço por cães,cavalos e pássaros.Eles sempre me comovem.

c)Indicar 9 blogs:

Planicies da Memória : Helga.
De inutiliarum natura : Adriano
É tudo igual : Vanessa
Eloí Bocheco- Sala de Ferramentas
Paz e Arroz : Maurício
Blog da Cíntia : Cíntia
Reticências : Lianara
Luz : Luciana
Linguagem e poesia : Bruno


Há muitos e muitos blogs que eu visito,normalmente, embora nem sempre haja tempo para comentar os posts,portanto afirmo que dezenas deles merecem o selo( que virá, tenho certeza).

E para JB mais um beijo. Obrigada.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Só se ama uma pessoa de cada vez...


Já o disse em "Hiroshima Mon Amour": o que conta não é a manifestação do desejo, da tentativa amorosa. O que conta é o inferno da história única. Nada a substitui, nem uma segunda história. Nem a mentira. Nada. Quanto mais a provocamos, mais ela foge.

Amar é amar alguém. Não há um múltiplo da vida que possa ser vivido. Todas as primeiras histórias de amor se quebram e depois é essa história que transportamos para as outras histórias. Quando se viveu um amor com alguém, fica-se marcado para sempre e depois transporta-se essa história de pessoa a pessoa. Nunca nos separamos dele.

Não podemos evitar a unicidade, a fidelidade, como se fôssemos, só nós, o nosso próprio cosmo. Amar toda a gente, como proclamam algumas pessoas e os cristãos, é embuste. Essas coisas não passam de mentiras. Só se ama uma pessoa de cada vez. Nunca duas ao mesmo tempo.


Marguerite Duras, in 'Mundo Exterior



Só se ama -para sempre- uma pessoa.Mesmo quando tudo acaba, permanece. Uma dor fininha que vai e volta, mas que teima em ficar.Mesmo sendo só lembrança,é saudade legítima,profunda.A felicidade pequena que restou. As outras tornam-se companheiros, afetos transitórios,cúmplices, mas aquela que amamos é mesmo uma só.Para sempre.

sábado, 14 de agosto de 2010

Como anda minha vida?




A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres. Isso eu disse e escrevi - e repito - em dezenas de palestras por este país afora. Aí me pedem para escrever sobre o casal perfeito: bom para quem gosta de desafios.

O casal perfeito seria o que sabe aceitar a solidão inevitável do ser humano, sem se sentir isolado do parceiro - ou sem se isolar dele? O casal perfeito seria o que entende, aceita, mas não se conforma, com o desgaste de qualquer convívio e qualquer união?

Talvez se possa começar por aí: não correr para o casamento, o namoro, o amante (não importa) imaginando que agora serão solucionados ou suavizados todos os problemas - a chatice da casa dos pais, as amigas ou amigos casando e tendo filhos, a mesmice do emprego, chegar sozinha às festas e sexo difícil e sem afeto.

Não cair nos braços do outro como quem cai na armadilha do "enfim nunca mais só!", porque aí é que a coisa começa a ferver. Conviver é enfrentar o pior dos inimigos, o insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, o incansável: o tédio, o desencanto, esse inimigo de dois rostos.

Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito. Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar. A querer bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.

O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido ou simplesmente o emprego sem graça e o patrão de mau humor.

E a gente explode e quer matar e morrer, quando cai aquela última gota - pode ser uma trivialíssima gota - e nos damos conta: nada mais é como era no começo.

Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não sei o que fazer. Como a gente não desiste fácil, porque afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os filhos, os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso inventar um jeito de recomeçar, reconstruir.

Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa relação. O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação, a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado, não o meio. Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais belas que ouvi: "Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi de novo como minha mulher".

Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente. Ao menos de vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha vida? Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso fazer para melhorar?

Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser melhoradas. Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer uma viagem, de mudar de profissão.

Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria, realização e sobretudo abertura com o outro. Velhos casais solitários ou jovens casais solitários dentro de casa são terrivelmente tristes e terrivelmente comuns. É difícil? É difícil. É duro? É duro. Cada dia, levantar e escovar os dentes já é um ato heróico, dizia Hélio Pellegrino.

Viver é um heroísmo, viver bem um amor mais ainda. O casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do sonho de que, apesar dos pesares, a gente, a cada dia, se escolheria novamente, e amém.


Lia Luft

Hoje, eu acordei com vontade de escrever, mas diante desse texto...coube-me constatar que sou uma pessoa, não um casal.Não obstante por me fazer essa pergunta inúmeras vezes, já recomecei outras tantas.E, ao refazê-la agora, sinto que está na hora de mudar mais uma vez.Quando eu me for,muitas coisas ficarão por fazer, mas levarei comigo a certeza de ter aprendido a não me me deixar estagnar, quando algo me incomoda.
Sim, definitivamente, sempre é hora de recomeçar mais uma vez.