domingo, 30 de agosto de 2009

A felicidade são momentos.




Ser feliz por momentos é algo de que não se deve ter vergonha. Momentos que o fim torna ridículos. A felicidade, como o amor, é um sentimento ridículo. Mas a felicidade, como o amor, só é ridícula quando vista de fora. A felicidade, como o amor, só é ridícula antes ou depois de si própria.

A felicidade são momentos que, no seu presente fugaz, são mais fortes do que todas as sombras, todos os lugares frios, todos os arrependimentos. Ser feliz em palavras que, durante essa respiração breve, mudam de sentido. E nem a forma do mundo é igual: o sangue tem a forma de luz, as pedras têm a forma de nuvens, os olhos têm a forma de rios, as mãos têm a forma de árvores, os lábios têm a forma de céu, ou de oceano visto da praia, ou de estrela a brilhar com toda a sua força infantil e a iluminar a noite como um coração pequeno de ave ou de criança.

Momentos que o fim torna ridículos. Momentos que fazem viver, esperando por um dia, depois de todas as desilusões, depois de todos os arrependimentos e fracassos, em que se possam viver de novo, para de novo chegar ao fim e de novo a esperança e de novo o fim.

Não se deve ter vergonha de se ser feliz por momentos. Não se deve ter vergonha da memória de se ter sido feliz por momentos.

José Luís Peixoto- Uma casa na escuridão.

sábado, 29 de agosto de 2009

Deixe-se sangrar.





Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

Gosto dos venenos os mais lentos! Das bebidas as mais fortes!Dos cafés mais amargos!
E dos delirios mais loucos.
Voce pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
-E daí? eu adoro voar!!!

Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca.

É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.

Não tenho tempo prá mais nada, ser feliz me consome muito.

Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos.

Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei o mesma prá sempre.


Um sábado de e com Clarice Lispector...
Para tornar a alma mais tênue e mais grandiosa!

As 16 telas onde Clarice se deixou sangrar :
http://veja.abril.uol.com.br/galeria-de-imagens/clarice-lispector-494795.shtml

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

...



suspeito que o lugar de onde vêm as palavras
é o mesmo onde os segredos aguardam vez
num dicionário de pressentimentos.


Maria José Quintela

...uma tranquilidade lúcida.




"Estou cansado , é claro ,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansada.
De que estou cansado não sei.
De nada serviria sabê-lo
Pois o cansaço ficaria na mesmo,
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto-
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma tranquilidade lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxuria muda de não ter esperanças?
Sou inteligente: eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto ,
E há certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa. "


(F.P)Álvaro de Campos

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Reter o que não há.




E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.

Comigo caminham todos os mortos que amei,
todos os amigos que se afastaram,
todos os dias felizes que se apagaram.

Não perdi nada apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.

Miguel Sousa Tavares, Eternamente

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

À margem.



Moro no lado cinzento que anuncia a tempestade,em linha do horizonte triste onde o mar sujo se torna céu. Às vezes, sinto-me como se estivesse sentada na margem errada do rio, na margem errada da vida.

Não tenho desejo de partir. Não tenho desejo de ficar. Ah...poder tecer um novo regresso! De onde? Pra onde?

Entender que as horas se fazem à revelia. Que a vida é uma eterna expectativa...de quê?

E perdida. E ansiosa. E inquieta...vivo à espera de algo que não sei o que é,quando chegará e qual o seu destino. Certeza apenas da espera.

O difícil é aceitar o desperdício do instante real , mas que, como areia, me escapa.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Paula ( excerto)




Passei quarenta e nove anos perseguindo metas das quais não me lembro, em nome de algo que sempre estava mais adiante. Agora estou obrigada a permanecer quieta e calada, por muito que corra não chego a nenhum lugar, se grito ninguém me escuta.

Você tem me dado silencio para examinar minha trajetória nesse mundo, Paula, para retornar ao passado verdadeiro e ao passado fantástico, recuperar as memórias que outros esqueceram, lembrar o que nunca aconteceu e que talvez nunca acontecerá”.


Isabel Allende in Paula.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

...nenhum Deus, eu quero estar só.




Não, não, nenhum Deus, eu quero estar só. E um dia virá, sim, um dia virá em mim a capacidade tão vermelha e afirmativa quanto clara e suave, um dia o que eu fizer será cegamente, seguramente, inconscientemente, pisando em mim, na minha verdade, tão integralmente lançada no que fizer que serei incapaz de falar, sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento.

Eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro.

Não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante; sempre fundido, porque então viverei, só então serei maior que na infância, serei brutal e mal feita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas.

Ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a compreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá o meu caminho até a morte sem medo de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.

Perto do coração selvagem.

Clarice Lispector , essencial.

terça-feira, 11 de agosto de 2009




há silêncios que me protegem e silêncios que me atormentam. outros há que me crescem rente à pele. tão desmedidamente que se ouvem. como rios fecundos em noites brancas. afagos insaciados.
.
instalo-me neste silêncio navegável. íntimo e acetinado. onde não existem sombras nem margens nem estradas. só a respiração a entrecortar a luz. estendo então o mapa de todos os lugares sentidos e sem nome e deposito o coração ao largo. para afastar a influência do embalo que o embarca em falsos portos.
.
e assim me solto como um barco. sem a rede protectora das palavras. o silêncio ao leme a falar como um oráculo. e eu no vício insano de decifrar sinais.


Gizelda , precisando muito de um texto como esse de Maria José Quintella.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sou o minuto e a eternidade.




Não me compreendo nem compreendo os outros. Não sei quem sou e vou morrer. Tudo me parece inútil e agarro-me com desespero a um fio de vida, como um náufrago a um pedaço de tábua.Nem sei o que é a vida. Chamo vida ao espanto. Chamo vida a esta saudade, a esta dor; chamo vida e morte a este cataclismo. É a imensidade e um nada que me absorve; é uma queda imensa e infinita, onde disponho de um único momento.

Talvez o mundo não exista, talvez tudo no mundo sejam expressões da minha própria alma. Faço parte de uma coisa dolorosa, que totalmente desconheço, e que tem nervos ligados aos meus nervos, dor ligada à minha dor, consciência ligada à minha consciência. Estou até convencido que nenhum destes seres existe. Este fel é o meu fel, este sonho grotesco o meu sonho. Estou convencido que tudo isto são apenas expressões de dor – e mais nada.

Nós não vemos a vida – vemos um instante da vida. Atrás de nós a vida é infinita, adiante de nós a vida é infinita. A primavera está aqui, mas atrás deste ramo em flor houve camadas de primaveras de oiro, imensas primaveras extasiadas, e flores desmedidas por trás desta flor minúscula. O tempo não existe. O que eu chamo a vida é um elo, e o que aí vem um tropel, um sonho, desmedido que há-de realizar-se. E nenhum grito é inútil, para que o sonho vivo ande pelo seu pé.

A alma que vai desesperada à procura de Deus, que erra no universo, ensanguentada e dorida, a cada grito se aproxima de Deus. Lá vamos todos a Deus, os vivos e os mortos. O mundo é um grito. Onde encontrar a harmonia e a calma neste turbilhão infinito e perpétuo, neste movimento atroz? O mundo é um sonho sem um segundo de paz. A do gera dor num desespero sem limites.

Eu não sou nada. Sou o minuto e a eternidade. Sou os mortos. Não me desligo disto – nem do crime, nem da pedra, nem da voragem. Sou o espanto aos gritos.O sonho completo é o universo realizado.Cada vez mais fujo mais de olhar para dentro de mim mesmo. Sinto-me nas mãos de uma coisa desconforme. Sinto-me nas mãos de uma coisa imensa e cega – de uma tempestade viva.

Não só a sensibilidade é universal – a inteligência é exterior e universal.O universo é uma vibração. A vida é uma vibração na vibração. Toda a teoria mecânica do universo é absurda. Daqui a alguns anos todos os sistemas serão ridículos – até o sistema planetário.

Raul Brandão (1867-1930) -excerto de Húmus

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A poesia está no ar...



Na esquina do meu quarteirão, há uma árvore "majestosa" à beira da calçada.Altíssima, imponente, espargindo galhos sobre velhas e desbotadas casas que teimam em permanecer.

Há uns dez dias- mais ou menos-um delicioso bailado de folhas grandes e amareladas preencheu aquele canto tão cor de cinza.Chuva de folhas mortas. Aos borbotões.
Poético, triste e lindo.

Vivi essa queda inteira com admiração e sobressalto.(Minha alma foi ficando cada vez mais amarela... mais do que já é!)E o chão foi se cobrindo de folhas envelhecidas, um tapete espesso, por onde todos passam, pisam. Ninguém se importa. Ou vê.

Nessa manhã, porém, quando uma imensa folha-bailarina planou em meu parabrisa, olhei para o alto e...Surpresa! Poucas estão lá ainda, mas os galhos...ah! estes! estão verdinhos de folhas tenras e tímidas.Nascem. Abrem-se sutilmente para o azul.

É a vida,árvore, metáfora perfeita: o velho descartado, eis o jovem.

Cíclico ad eternum.

Pensei em Cecília Meirelles: "Tudo está certo, no seu lugar,cumprindo seu destino"
É apenas questão de olhar e ver.
Sentir...
descobrir um jeito mais simples de ser feliz!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Ah, como é fatigante ter razão.!





"E eis que, enfim, cerro a porta sobre a minha discussão. É bom estar só. Depois de todo o esforço para estar prevenido, para entender, para me pensar, para ser “coerente” (tão difícil...), para organizar as razões como quem entra em combate, depois de toda a fúria e alvoroço com que enfrentei a contradita dos outros, a minha publicidade e o meu ridículo - é bom regressar e estar só.
Ouço a velha voz que me chama essa presença antiga que me espera - presença anterior a todo o meu pensar e que assim jamais discute comigo. Ah, como é fatigante ter razão.»


Vergílio Ferreira in, "Do Mundo Original"

segunda-feira, 3 de agosto de 2009




Sei-me inteira em cada uma das partes que me desligam e representam junto dos outros. Conheço cada nó desse misterioso fio que desemboca em teia de espelhos. Sei de cor a aspereza do tímido rebordo dos traços que me suspendem os gestos. Conheço os trajectos subitamente interrompidos por pontes que ruíram. Já percorri o itinerário mais longo entre dois pontos e nem por isso me atrasei. Estou onde devo estar. Não guardo memória dos equívocos. Assim poupo ao pensamento o desgaste dos significados inúteis. Tenho olhos rotativos que alcançam com antecedência a chegada dos temporais. Aceito-os sem surpresa e deixo-os ir sem despedidas. Arrumo a lição de cada instante no manual de sobrevivência que hospedo na pele. Interessa-me sobretudo a hora matinal do silêncio, quando se declara a limpidez da percepção.

Maria José Quintela

domingo, 2 de agosto de 2009

Príncipes e sapos.



Sonhar com príncipes é parte do universo feminino desde sempre.

Há na fantasia os que andam em cavalos brancos e salvam as princesas, ou mocinhas pobres, e as transformam em rainhas.Também há os que lutam com dragões ferozes e os vencem e os que, sapos, por incrível que pareça ,um dia viram príncipes perfeitos.

O triste é constatar a fabula às avessas : o tão esperado príncipe nunca passou mesmo de um reles sapo! Mas...não se enxerga.

Não há, no entanto, a menor chance de transformação...

Mensagem cifrada para um determinado sapo!...que continua pensando que é príncipe.

Sempre é tempo de descer do pedestal.

Quantos já conviveram com pessoas assim !

sábado, 1 de agosto de 2009

Sou Maria de Magdala e amei.


Um capítulo para o “Evangelho”
By José Saramago

De mim se há-de dizer que depois da morte de Jesus me arrependi do que chamavam os meus infames pecados de prostituta e me converti em penitente até ao fim da vida, e isso não é verdade. Subiram-me despida aos altares, coberta unicamente pela cabeleira que me desce até aos joelhos, com os seios murchos e a boca desdentada, e se é certo que os anos acabaram por ressequir a lisa tersura da minha pele, isso só sucedeu porque neste mundo nada pode prevalecer contra o tempo, não porque eu tivesse desprezado e ofendido o mesmo corpo que Jesus desejou e possuiu. Quem aquelas falsidades vier a dizer de mim nada sabe de amor. Deixei de ser prostituta no dia em que Jesus entrou na minha casa trazendo-me a ferida do seu pé para que eu a curasse, mas dessas obras humanas a que chamam pecados de luxúria não teria eu que me arrepender se foi como prostituta que o meu amado me conheceu e, tendo provado o meu corpo e sabido de que vivia, não me virou as costas. Quando diante de todos os discípulos Jesus me beijava uma e muitas vezes, eles perguntaram-lhe porque me queria mais a mim que a eles, e Jesus respondeu: “A que se deve que eu não vos queira tanto como a ela?” Eles não souberam que dizer porque nunca seriam capazes de amar Jesus com o mesmo absoluto amor com que eu o amava. Depois de Lázaro ter morrido, o desgosto e a tristeza de Jesus foram tais que, uma noite, debaixo do lençol que tapava a nossa nudez, eu lhe disse: “Não posso alcançar-te onde estás porque te fechaste atrás de uma porta que não é para forças humanas”, e ele disse, queixa e gemido de animal que se escondeu para sofrer: “Ainda que não possas entrar, não te afastes de mim, tem-me sempre estendida a tua mão mesmo quando não puderes ver-me, se não o fizeres esquecer-me-ei da vida, ou ela me esquecerá”. E quando, alguns dias passados, Jesus foi reunir-se com os discípulos, eu, que caminhava a seu lado, disse-lhe: “Olharei a tua sombra se não quiseres que te olhe a ti”, e ele respondeu: “Quero estar onde estiver a minha sombra se lá é que estiverem os teus olhos”. Amávamo-nos e dizíamos palavras como estas, não apenas por serem belas e verdadeiras, se é possível serem uma coisa e outra ao mesmo tempo, mas porque pressentíamos que o tempo das sombras estava a chegar e era preciso que começássemos a acostumar-nos, ainda juntos, à escuridão da ausência definitiva. Vi Jesus ressuscitado e no primeiro momento julguei que aquele homem era o cuidador do jardim onde o túmulo se encontrava, mas hoje sei que não o verei nunca dos altares onde me puseram, por mais altos que eles sejam, por mais perto do céu que alcancem, por mais adornados de flores e olorosos de perfumes. A morte não foi o que nos separou, separou-nos para todo o sempre a eternidade. Naquele tempo, abraçados um ao outro, unidas pelo espírito e pela carne as nossas bocas, nem Jesus era então o que dele se proclamava, nem eu era o que de mim se escarnecia. Jesus, comigo, não foi o Filho de Deus, e eu, com ele, não fui a prostituta Maria de Magdala, fomos unicamente aquele homem e esta mulher, ambos estremecidos de amor e a quem o mundo rodeava como um abutre babado de sangue. Disseram alguns que Jesus havia expulsado sete demónios das minha entranhas, mas também isso não é verdade. O que Jesus fez, sim, foi despertar os sete anjos que dentro da minha alma dormiam à espera que ele me viesse pedir socorro: “Ajuda-me”. Foram os anjos que lhe curaram o pé, eles foram os que me guiaram as mãos trementes e limparam o pus da ferida, foram os que me puseram nos lábios a pergunta sem a qual Jesus não poderia ajudar-me a mim: “Sabes quem eu sou, o que faço, de que vivo”, e ele respondeu: “Sei”, “Não tiveste que olhar e ficaste a saber tudo”, disse eu, e ele respondeu: “Não sei nada”, e eu insisti: “Que sou prostituta”, “Isso sei”, “Que me deito com homens por dinheiro”, “Sim”, “Então sabes tudo de mim” e ele, com voz tranquila, como a lisa superfície de um lago murmurando, disse: “Sei só isso”. Então, eu ainda ignorava que ele fosse o filho de Deus, nem sequer imaginava que Deus quisesse ter um filho, mas, nesse instante, com a luz deslumbrante do entendimento pelo espírito, percebi que somente um verdadeiro Filho do Homem poderia ter pronunciado aquelas três palavras simples: “Sei só isso”. Ficámos a olhar um para o outro, nem tínhamos dado por que os anjos se tinham retirado já, e a partir dessa hora, pela palavra e pelo silêncio, pela noite e pelo dia, pelo sol e pela lua, pela presença e pela ausência, comecei a dizer a Jesus quem eu era, e ainda me faltava muito para chegar ao fundo de mim mesma quando o mataram. Sou Maria de Magdala e amei. Não há mais nada para dizer.

This entry was posted on Julho 24, 2009 at 12:01 am and is filed under O Caderno de Saramago

Quando eu leio um texto como esse , sinto-me alimentada por muito tempo.Lindo!
O evangelho segundo Jesus Cristo ( imperdível...)
(os grifos são nossos)