sexta-feira, 31 de julho de 2009

Não quero me acostumar.Não devo.



Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar o café correndo porque está atrasado.
A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá para almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias de água potável.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma.

Marina Colassanti

Definitivamente, esse texto me faz refletir muito.É triste a gente se acostumar...

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Inquietação.



Há alguns dias ( ou seriam meses?...) tenho estado silenciosa. Desencantada?Caustica? Crítica? Talvez, esse silêncio tenha duas faces e me faça enxergar mais do que quero ver.Não sei...

Olho à minha volta e não gosto do que me circunda, nem do que sinto.Fazer parte da superficialidade com que se estabelecem as relações pessoais próximas e distantes está me deixando fragilizada. Há algum tempo estou me sentindo inadequada sem conseguir descobrir em relação a quê.Não consigo existir assim.Preciso de profundidade.De pé no chão. De base.

Sinto enorme falta de olhos nos olhos, de emoção do abraço apertado, de sorriso prazeroso de encontros e reencontros, de amenidade gostosa do bem-querer descompromissado
e gratuito saboreado ao largo de uma xícara de café, de camaradagem profissional. Falta de simplesmente me deixar ser e entrar no ritmo da vida.

Onde estão a verdade, o afeto, a lealdade, as alegrias puras de ser o que se é, sem cobranças , sem parâmetros de comparação e sem culpas?

Em um cotidiano sem tréguas, feroz e competitivo, o mundo caminha por uma trilha onde sucesso é sinônimo de prioridades materiais e prestígio público.Uma indizível solidão salta dos olhos das pessoas que já não se fitam , nem se amam. Não se importam...afinal poder tem sido melhor do que ser.

Ter consciência disso , fazer parte disso , é, como diria Clarice Lispector,“uma lucidez perigosa”.O que fazer com essa certeza?

Definitivamente não quero isso para mim...Talvez me faltem - ainda- coragem e ousadia para quebrar o círculo e ser sozinha mesmo, porque é assim que vou estar.Mas, então,pode ser que eu encontre a mim mesma para me fazer companhia!

sábado, 25 de julho de 2009

Nossas almas estão ligadas.




"A razão porque dói tanto separarmos-nos é porque as nossas almas estão ligadas. Talvez sempre tenham estado e sempre o fiquem. Talvez tenhamos vivido milhares de vidas antes desta, e em cada uma delas nos tenhamos reencontrado. E talvez que em cada uma tenhamos sido separados pelos mesmos motivos. Isto significa que esta despedida é, ao mesmo tempo, um adeus pelos últimos dez mil anos e um prelúdio ao que virá.

Quando olho para ti vejo a tua beleza e graça, e sei que cresceram mais fortes com cada vida que viveste. E sei que gastei todas as vidas antes desta à tua procura. Não de alguém como tu, mas de ti, porque a tua alma e a minha têm que andar sempre juntas. E assim, por uma razão que nenhum de nós entende, fomos obrigados a dizer-nos adeus.

Adoraria dizer-te que tudo correrá bem para nós, e prometo fazer tudo o que puder para garantir que assim será, mas se nunca nos voltarmos a encontrar outra vez, e isto for verdadeiramente um adeus, sei que nos veremos, ainda noutra vida. Iremos encontrar-nos de novo, e talvez as estrelas tenham mudado, e nós não apenas nos amemos nesse tempo, mas por todos os tempos que tivemos antes."


Nicholas Sparks / "Diário da nossa Paixão"

sexta-feira, 24 de julho de 2009

O universo renasce a cada manhã...



Cada dia é um universo novo, Fatma, dizia-me ele. Cada manhã.O universo renasce a cada manhã, tal como nós, e isso desperta em mim tanto entusiasmo que nalgumas manhãs acordo antes de raiar o dia, e sei que o sol vai nascer, e que tudo será novo, e que também eu me vou renovar, juntamente com tudo o que se renova, e que poderei ver, ler e aprender coisas que ignoro, e que depois de as ter apreendido poderei de novo rever tudo o que sei, e então a minha emoção é tanta, Fatma, que tenho vontade de me levantar imediatamente, de correr... quero ir de imediato.... sem perder tempo, ... por que razão tu não conheces esse sentimento, Fatma, porque não dizes nada, em que pensas? “

“... é preciso observar tudo, reparar em tudo ... e as capacidades do nosso cérebro têm de ser desenvolvidas, senão ficamos iguais aos outros, aos que passam o tempo a apodrecer nos cafés, como carneiros, infelizmente...”


Excerto “A Casa do Silêncio” by Orhan Pamuk:

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Neruda...imperdível!



(...)
Mais longe, já perto das fronteiras que me afastariam por muitos anos da minha pátria, chegamos à noite às últimas gargantas das montanhas. Subitamente, vimos urna luz acesa que era indício certo de habitação humana e, quando nos aproximamos, encontramos umas construções derruídas, uns galpões miseráveis que pareciam vazios. Entramos num deles e vimos, ao clarão do lume, grandes troncos acesos no centro da habitação, corpos de árvores gigantes que ali ardiam de dia e de noite e que deixavam sair pelas fendas do teto uma fumaça que flutuava no meio das trevas como um profundo véu azul. Vimos montões de queijos acumulados por aqueles que os coalharam naquelas alturas. Perto do fogo, agrupados como sacos, jaziam alguns homens. Distinguimos no silêncio as cordas de um violão e as palavras de uma canção que, nascendo das brasas e da escuridão, nos trazia a primeira voz humana que tínhamos encontra do pelo caminho. Era uma canção de amor e de distância, um lamento de amor ede saudade dirigido à primavera longínqua, às cidades de onde vínhamos, à infinita extensão da vida. Eles ignoravam quem nós éramos, eles nada sabiam do fugitivo, eles não conheciam a minha poesia nem meu nome. Ou o conheciam, nos conheciam? O fato real foi que junto àquele fogo cantamos e comemos, e depois caminhamos dentro da escuridão até uns quartos elementais. Através deles passava uma corrente termal, água vulcânica onde nos submergimos, calor que se desprendia das cordilheiras e que nos acolheu no seu seio.

Chapinhamos com gozo, penetrando naquela água, limpando o peso da imensa cavalgada. Sentimo-nos frescos, renascidos, batizados, quando ao amanhecer empreendemos os últimos quilômetros da jornada que separar-me-iam daquele eclipse da minha pátria. Afastamo-nos cantando sobre as nossas cavalgaduras, repletos de um ar novo, de um hábito que nos empurrava para o grande caminho do mundo que estava me esperando. Quando quisemos dar (recordo vivamente este fato) aos montanheses algumas moedas de recompensa pelas can ções, pelos alimentos, pelas águas termais, pelo teto e pelos lei tos, isto é,pelo inesperado amparo que encontramos, eles rejeitaram o nosso oferecimento sem um gesto. Eles tinham nos servido e nada mais. E nesse nada mais,nesse silencioso nada mais havia muitas coisas subentendidas, talvez o reconhecimento, talvez os próprios sonhos.
(...)


Excerto do discurso de Neruda (em 1971 ) ao receber o Nobel de Literatura.
(Relato de seu exílio na cordilheira dos Andes)
http://www.lpm-editores.com.br/v3/artigosnoticias/user_exibir.asp?ID=516073&Showback=ON /Texto integral.

domingo, 19 de julho de 2009





“Quantas pessoas teriam começado a amar-se, se se tivessem visto primeiro como nos vemos ao fim de muitos anos? Mas quantas também se poderiam separar, se se voltassem a ver como se viram pela primeira vez?”

O Amor,de Camille Laurens

sábado, 18 de julho de 2009

A inevitável pergunta : por que eu?




Em 1992 um tumor de mama me visitou.Era insignificante no tamanho, mas poderoso no mal que trazia. Foi como uma noite de tempestade infernal e eu , sozinha, ao relento.Não era chuva de verão. Durou intermináveis anos da minha vida.O ritual diário era o mesmo a que se submetem , cotidianamente ,milhares de pessoas acometidas por essa doença.Doloroso e angustiante.Sem chão.

Durante dois anos lutei bravamente para não sucumbir. Não era dor. Era medo.A radioterapia me colocava em uma sala cinza e feia, onde um monstruoso aparelho, todos os dias, aproximava-se de mim, atada a uma maca. E aos sábados, fizesse sol ou chuva, o laboratório me esperava para um implacável exame de plaquetas.Essas manhã eram um mar de solidão...

Aqui começou uma história...

Sempre que lá chegava , era recebida solicitamente, as pessoas sorriam e se apressavam em me atender. E eu me regozijava por- pelo menos- ter escolhido um laboratório tão prestativo e tão humano.Jamais imaginei que, na verdade, uma força divina me protegia porque um equívoco se formara.

A fluidez do tempo, no entanto, foi me dando conta de que estava em lento processo de cura.Aos poucos a vida parecia ter mais brilho.

Então,em uma rua inusitada onde eu nunca costumava ir, encontrei, casualmente, um amigo que não via há muito ,e ele me disse que sua esposa era assistida por uma ginecologista, baixinha e risonha, que se parecia comigo e ...acreditem, chamava-se Gizelda Nogueira!Homônimos são comuns, mas raramente cruzamos com eles!.Fiquei curiosa...

Aquilo me deixou inquieta e não sosseguei enquanto não marquei uma consulta na Clínica Lane –era 1997. Quando me vi diante da outra Gizelda, e conversamos ,entendi que era alguma coisa maior. Ela também estava saindo de um câncer de mama e havíamos sido operadas pelo mesmo cirurgião...

Confesso que fiquei aturdida, embora o seu sorriso cálido não dissesse que ela se surpreendera tanto quanto eu.Fui-me embora e me esqueci do fato, que atribui a uma simples coincidência.Será que existe ???Saramago afirma que não.

Em 2002, passando aleatoriamente as folhas de um jornal de Campinas, vi meu nome impresso em uma página fúnebre. A princípio fiquei chocada, mas aos poucos compreendi que era ela: médica conceituada da Unicamp ( eis aí o porquê dos sorrisos no laboratório...eu era confundida com ela! Era o tal equívoco.)

Perguntei-me inúmeras vezes : por que ela e não eu? Estávamos na mesma estrada, o destino era semelhante, por que só a mim coubera mais tempo? Nunca houve resposta.Ou se houve não a percebi.

Recentemente, porém, ao fazer uma pesquisa,na WEB, deparei-me com uma homenagem póstuma a ela . De novo incomodada , li sua biografia : nascemos as duas no mesmo dia, no mesmo mês- 12 de fevereiro , ela em 1943 , eu em 1944...
Inacreditável. E mais : nasceu em Batatais, bem pertinho de mim, em Sales Oliveira ( pouco mais de 30 Km)Fomos vizinhas...

Fiquei absorta um longo tempo. E continuo me questionando. Seríamos parecidas em algo mais? Como pudemos estar tão próximas em tantos dados sociais, sem que nos conhecêssemos como pessoas, seres humanos, almas?
Sei que há milhares de pessoas homônimas por esse mundo afora,mas nome, sobrenome, data de nascimento, a mesma doença, o mesmo médico...ela morta ,eu viva!?

Falta alguma coisa nessa história: por que eu ?...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Férias : encontro de mim comigo-mesma...



Em 03/07 , à noite, quando as pessoas que amo ( neta e filha) foram-se embora, entrei em casa com a sensação de deserto. Não sabia bem o que fazer de mim, e do oco que se me apresentava.
O som da TV, a tela do computador, a noite inteira à minha disposição ( era sexta-feira!)nada era companhia. Tentei dormir, em vão. Como se preenche o vazio ? E com quê? Adormeci pelo cansaço.
Mas...no dia seguinte dei-me conta de uma coisa preciosa –não me lembro de tê-la vivido antes :O MEU TEMPO NÃO TINHA RELÓGIO!
Os dias eram inteirinhos meus,sem fogão, sem planejamento de aulas , sem corrigir redações, sem hora para almoçar , dormir... Podia ir para onde quisesse e quando quisesse. E surpreendentemente sem nada e ninguém pra me dizer o que fazer, quando e como. Em principio, muito esquisito, mas daí a um pouco as férias começaram a me parecer atraentes...muito atraentes.
Passaram-se 12 dias, desde então. E tirando a ausência das pessoas que me completam ( porque em circunstancia alguma se tira férias de alguém que se ama...)foram dias absolutos de encontro de mim comigo-mesma.
Em primeiro lugar, o silêncio. Delicioso silêncio Aquele inefável silêncio que fala mais alto do que qualquer som.E eu não queria falar , nem ouvir.
E depois o depois.
Comer quando -e se -tivesse fome. Levantar-me e sentar-me –sem culpa – diante da TV às 7.30 da manhã para assistir a um cult em branco -e -preto, Crepúsculo dos Deuses ( um clássico de 1900 e nada) e gostar sem remorso;ouvir boleros pela casa e cantarolar Lucho Gatica ( bem desafinadamente...rs)sem que ninguém zombasse do que eu gosto; ler tanto e tanto a ponto de fazer calos nos olhos ( e sem interrupção programada);escrever no blog e nas agendas aos borbotões; dar-me ao luxo de não atender telefone, porque realmente não queria falar com ninguém e por nenhum motivo; sair de casa só para tomar um sorvete ;tomar intermináveis banhos quentinhos , enquanto as vidraças embaçavam;tomar as borbulhas de um vinho Lambrusco bem gelado; assistir ao memorial ao Michael Jackson e chorar de pena dele, porque viveu e morreu sozinho, apesar de sempre acompanhado; chorar durante show do Roberto, ao me dar conta de que ali também estava muito da minha vida ... quanta coisa mais eu fiz por mim e para mim.
Cheguei até a me cadastrar no Twitter ( ora , vejam só...sozinha!!!! sem ajuda de ninguém e entrei em textos lindíssimos de pessoas que tem muito pra dizer). Fala sério! Férias é isso.
Inclusive não arrumei nenhum armário, guarda-roupa, ou qualquer coisa que precisasse de ordem., porque eu precisava era mesmo de desordem exterior e interior para poder me reorganizar.
Amanhã isso acaba. Aliás, só foi bom porque, um dia, acabaria. São as exceções, não as regras, que nos colocam em pauta. Estou com saudades imensas das minhas baixinhas (uma bem altinha, já...) que vou ver amanhã.Elas são o meu porquê.
Ainda haverá dias semi-ociosos, mas quando todos os que conheço e com quem converso ( poucos, acreditem...) contarem sobre suas viagens maravilhosas por esse mundão de Deus, mesmo que eu fique em silêncio, estarei sabendo que fiz a grande viagem. Viajei para fora e para dentro de mim mesma e – o melhor –fiz planos. Planos? Sim, planos...
Onde , hoje, há pássaros, fatalmente , amanhã, haverá vôo!

Estoque de experiências compartilhadas



Quanto mais familiares duas pessoas se tornam, mais a linguagem que elas falam juntas foge do discurso comum, definido pelo dicionário. A familiaridade cria uma nova linguagem caseira de intimidade que leva referências à história que os dois amantes estão fazendo juntos, e que não pode ser de pronto compreendida por outros. É uma linguagem que alude ao seu estoque de experiências compartilhadas, contém a história da relação, é o que faz falar com o amado algo diferente de falar com qualquer outra pessoa.

Alain de Botton, Ensaios de Amor, pp. 125-6 (Rocco)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A propósito ...Roberto Carlos!



Já até posso ver o ar de incredulidade e de reprovação: Roberto Carlos?...
Então, o próprio.Não sou fãnzoca, tiete, longe disso. jamais comprei um Cd ou DVD dele, prefiro livros. Mas, nunca pude deixar de ouvi-lo durante todo esse tempo.Era e é natural. Toca em todo lugar.

E daí uma confissão bem simples e inacreditável ( pra quem me lê , não pra mim...) EU CHOREI , quando , no show de sábado, à noite, ele derramou lágrimas ao abraçar Erasmo Carlos
.Por quê? Muito simples...porque eu também estava lá, há 50 anos atrás, diante de uma rude TV em branco e preto “ nas jovens tardes de domingo", simbolicamente “abraçada” aos dois.Era como se minha vida estivesse sendo desnudada diante de 68 mil pessoas no Maracanã.

Uma saia bem rodada, uma sapatilha, um rabo de cavalo nos cabelos amarrados com um lencinho , profundamente apaixonada pela vida e pelo Fábio, querendo que “tudo mais fosse para o inferno”.Essa era eu.
Ele? Um menino, pouco mais velho, cantando aquilo que a gente sentia e não era proibido. Sem drogas, sem obscenidade, sem apelação, só o que a gente sentia de muito comum e muito puro.Tudo muito feliz.

Ele é rei? Tornou-se um rei? Claro que não. E por isso é tão palpável, frágil,próximo, sem estrelismos. Limita-se a “ficar na dele”. Só aparece de vez em quando, fala só sobre o que sabe , a cantar o que sente, não se exibe, não tem escândalos públicos, não ostenta riqueza. É, por acaso, alguém muito comum, por isso , reconhecido e amado.

Alias , bem diferente de muitos que – sem dúvida – são letristas e compositores de primeira, mas se arvoram em opiniões esdrúxulas a respeito de coisas sobre as quais não tem ( ou não mostram...) profundidade para falar e fazer. Vide Caetano. Claro, sem tirar nenhum mérito da sua criatividade musical que é excelente,é difícil suportar algumas coisas sobre as quais ele fala. Para o compositor/cantor- 10, mas para a pessoa pública...sem nota. Arrogância não tem nota.Ele pode até pensar , baixinho, com seus botões, tudo o que quiser,mas expor-se ? Pra quê? Alter-ego inflado, com certeza. Bem diferente da irmã- Maria Betânia- reclusa no seu cantinho, de onde sai, de vez em quando,só para cantar e...encanta.

Chico Buarque é mais ou menos igual, ,achando-se o máximo ao afirmar: Escrever é uma chatice”na Flip, doando ao companheiro Lula,que acha leitura pior que exercício em esteira,a frase que procurava para explicar por que também não escreve. E expondo-se em um flagrante desrespeito diante de centenas de pessoas que se acotovelavam para ouvi-lo.Havia um "senhor" Lobo Antunes na Flip,um "quase" Nobel de Literatura,e o senhor Chico desdenhando de seus leitores.Difícil!!!! Mesmo.Não é obrigado a escrever. Nem mesmo a aparecer em uma feira internacional de literatura, a não ser para alimentar o ego.E que ego!

Roberto Carlos nunca fez isso , nem fará. Tem humildade suficiente para saber seu lugar. Não se mete em política, em escândalos,não escancara sua casa à revistas sensacionalistas, não avisa paparazzi que vai estar “onde e não sei com quem”. E faz sucesso. Isso é difícil de engolir, principalmente pelos pseudo-intelectuais.

Minha neta não vai me perdoar por esse post : Ela ama Avril Lavigne, Fergie,Jonas Brothers e abomina Roberto Carlos.Mas , é fácil entender : ela está escrevendo a história dela, quando a minha já foi escrita, na singeleza das músicas que não pregavam festa “ no meu apê”, nem tinha "eguinha pocotó", nem " boca da garrafa"ou qualquer outra coisa vulgar semelhante.

Titãs, Biquíni Cavadão, J.Quest, Claudia Leite, Skank,e muitos outros ,não por acaso, regravaram músicas do Roberto . Por quê? Fácil...porque todos cantam. O povo canta. E quem compra CD é o povo. Elementar!

EM TEMPO : meu cérebro ama Beatles, Milton Nascimento,Bossa Nova,Frank Sinatra e muitos outros...meu corpo adora Big Bands, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong,Benny Goodman, Gershwin... eu toda amo uma infinidade de músicas ,tantas que não caberiam aqui,mas... minha alma dança ao som de Roberto Carlos.

Perdõem-me o chavão mas ... “se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi.
Precisa mais?

domingo, 12 de julho de 2009



Algumas coisas não é possível explicar, talvez até a maioria das coisas. É interessante pensar nelas e fazer alguma especulação, mas o principal é que se tem que aceitar as coisas tal como são, e seguir em frente com aquilo que se entende”.

Vovô Jake, personagem de “Fup“, de Jim Dodge.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Àqueles que nascem com defeito.




Eu nasci por defeito.
Explico: no meu parto não me extraíram todo, por inteiro. Parte de mim ficou lá, grudada nas entranhas de minha mãe. Tanto isso aconteceu que ela não me alcançava ver: olhava e não me enxergava. Essa parte de mim que estava nela me roubava de sua visão. Ela não se conformava:
- Sou cega de si, mas hei-de encontrar modos de lhe ver!

A vida é assim: peixe vivo, mas só vive no correr da água.
Quem quer prender esse peixe tem que o matar. Só assim o possui em mão.

Falo de tempo, falo de água. Os filhos se parecem com água andante, o irrecuperável curso do tempo. Um rio tem data de nascimento?


Mia Couto, O último voo do flamingo

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O Camelo Ancorado.



Muito antes de o “ Camelo Ancorado” ser conhecido, tive oportunidade de ler – e me comover- com os originais, manuscritos por uma pessoa, brilhante professor de Português, com quem eu partilhava aulas cotidianas. As dificuldades eram grandes, mas os sonhos maiores ainda.
Em um dia, fui surpreendida pelo “ Camelo”, já timidamente publicado em 1988, e escrevi sobre ele .Hoje, 09/07/2009, encontrei o meu texto . Senti uma brutal saudade de conversar com o Ubaldo e de saber dele.Alguém extremamente suave, doce, gentil. Como é que a gente perde pessoas tão preciosas pelo caminho? Onde ele andará?

Meu caro amigo...

São 16.16 h de uma tarde chuvarenta em 28 de fevereiro de 1996. Venta muito e forte...Reli , pela terceira vez, o seu “ Camelo Ancorado”e permita-me discordar do título.O camelo é solitário, carrega fardos pesados, e você jamais será sozinho com tanta poesia dentro de si.E o que você carrega são sonhos, lembranças, expectativas ( algumas...)que não são fardos,são a essência que o torna tão especial e sensível.
Ancorado? Jamais.você passeia nos seus versos, circula pelo passado, arrisca um futuro e termina em maiúsculas :EXISTO!- presente do indicativo.
Existir pressupõe viver, o que significa “ largar âncoras”, partir, buscar...
Puxa! Que nome eu daria a esse livro?
Talvez “ Um pássaro ensimesmado”? ( o pássaro voa alto e infinito, mas o grande mistério está dentro de si) Que viagem!
Lembrei-me ainda de que “âncora” pressupõe estar preso e um poeta, como você,nunca será assim.A inquietação, a angústia, o questionamento o tornam mutante e ...poeta.
Há tanto vento nos seus textos e ele varre tudo , inclusive a solidão, preparando terreno para semeadura.
São 16.43. A chuva agora é torrencial. Selecionei algumas páginas, marquei-as , mas fica aqui o registro de uma delas :
“ ... agir, fazer, não esperar. Em verdade fazemos o que não devemos, agimos quando não podemos e nunca percebemos a terra pronta.”
Obrigada por partilhar seu “ Camelo” não camelo comigo.
Um abraço carinhoso.

Não sei – há 11 anos- o que é feito desse meu amigo, mas , sem dúvida, foi um presente ter privado do seu convívio , um dia.
09/07/09- manhã lavada de céu e sol.11.06hs


O Camelo Ancorado
Ubaldo Luiz de Oliveira

editora: N/d
ano: 1988
estante: Outros Assuntos
meta-estante: Outros Assuntos
peso: n/d
descrição: poesia

terça-feira, 7 de julho de 2009



Com o decorrer dos anos ambos chegaram, por caminhos diferentes, à conclusão sábia de que não era possível viverem juntos de outra maneira, nem amarem-se de outra maneira: nada neste mundo era mais difícil do que o amor.

Gabriel Garcia Marquez

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Do desejo.




Dirás que sonho o dementado sonho de um poeta
Se digo que me vi em outras vidas
Entre claustros, pássaros, de marfim uns barcos?
Dirás que sonho uma rainha persa
Se digo que me vi dolente e inaudita
Entre amoras negras, nêsperas, sempre - vivas?
Mas não. Alguém gritava: acorda, acorda Vida.
E se te digo que estavas ao meu lado
E eloquente e amante e de palavras ávido
Dirás que menti? Mas não. Alguém gritava:
Palavras... apenas sons e areia. Acorda.
Acorda Vida.

Hilda Hilst

domingo, 5 de julho de 2009

Eu quero.



Estou à procura, procura do vento. Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero.
Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero.
Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vendê-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer.
Porque a minha força é imortal."


Cemitério de Pianos, de José Luís Peixoto

sábado, 4 de julho de 2009





Não chores porque já terminou, sorri porque aconteceu.


Gabriel Garcia Marquez

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Momento crucial.



Instalo-me neste ponto do espaço que ocupo, neste momento preciso da duração. Não admito de jeito nenhum que não seja absolutamente crucial. Estendo os braços quanto posso. Digo: Eis o sul eis o norte…Sou efeito, serei causa. Causa determinante! Uma oportunidade que não se reapresentará nunca mais.
Sou; mas quero achar minha razão de ser.
Quero saber para que vivo.

André Gide, Frutos da terra

...é só isto.





vem sem aviso. em pequeninas doses. e vai como veio. talvez com um pouco menos de ruído.
e é só isto a felicidade. um sorriso a abrir o nevoeiro.


maria josé quintela

quarta-feira, 1 de julho de 2009

...




“Aprendi com as primaveras
a me deixar cortar para
poder voltar inteira.”

Cecília Meirelles