sábado, 31 de maio de 2008

in Húmus.



Há no mundo uma falha. Os poentes são labaredas roxas: resquícios de escarlate, dois, três jactos violetas que se estendem pelo céu - uma maravilha quimérica. A primavera prolonga-se: superabundância de flores nas árvores, espiritualidade na matéria, como se as árvores fossem morrer. Mais flores, mais poentes onde o ouro e o roxo predominam, mais gritos no mundo, mais vulcões de cores, que pressagiam catástrofes, e um ruído apagado, esquisito, insuportável dentro de nós próprios, que só comparo ao som de uma borboleta esvoaçando contra as paredes de um vaso.

É a morte que faz falta à vida.

HÚMUS - Raul Brandão

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Desobrigar-se do compromisso.



Não digamos, Amanhã farei, porque o mais certo é estarmos cansados amanhã, digamos antes, Depois de amanhã, sempre teremos um dia de intervalo para mudar de opinião e projeto, porém ainda mais prudente seria dizer, um dia decidirei quando será o dia de dizer depois de amanhã, e talvez um dia preciso, se a morte definidora vier antes desobrigar-me do compromisso, que essa, sim, é a pior coisa do mundo, o compromisso, liberdade que a nós próprios negamos..."

Excerto do livro de José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Amor bastante



quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante.

Paulo Leminski

terça-feira, 20 de maio de 2008

A morte é uma viagem...



“A morte é uma viagem e a viagem é uma morte.Partir é morrer um pouco. Morrer é verdadeiramente partir, e só se parte bem, corajosamente, nitidamente, quando se segue o fluir da água, a corrente do largo rio. Todos os rios desembocam no Rio dos Mortos. Apenas essa morte é fabulosa. Apenas essa partida é uma aventura.”


“Tudo quanto a morte tem de pesado, de lento, é igualmente marcado pela figura de Caronte. As barcas carregadas de almas estão sempre a ponto de soçobrar [...]

A morte é uma viagem que nunca acaba, é uma perspectiva infinita de perigos. Se o peso que sobrecarrega a barca é tão grande, é porque as almas são culpadas. A barca de Caronte vai sempre aos infernos. Não existe barqueiro da ventura.”

Bachelard (1997, p. 77,81,82) in "O Complexo de Caronte", o barqueiro dos infernos

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Canção na Plenitude.



Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.

Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

Lya Luft

domingo, 18 de maio de 2008




“A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada”.

Lya Luft -"O Ponto Cego".

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Será?...



Se, antes de começarmos a falar, determinarmos e escolhermos, previamente, as palavras, a nossa conversa não será vacilante nem ambígua.

Se em todos os nossos negócios e empresas determinarmos e planejarmos, previamente, as etapas da nossa atuação, obteremos o êxito.

Se determinarmos com bastante antecedência a nossa norma de conduta na vida, em nenhum momento seremos assaltados pela inquietação.

Se sabemos, previamente, quais são os nossos deveres, será fácil dar-mo-lhes cumprimento.

Confúcio, in 'A Sabedoria de Confúcio'

quinta-feira, 1 de maio de 2008

A imensa ventura...



E então...
soprou um vento de imensa ventura.

Eu senti meu coração, dourado de sol,
transbordando de amor, transbordante de você...
Olhei seus olhos e me vi neles.

De repente, você tomou-me nos braços, afagou-me a cintura,
recolheu-me em seu peito.
Meu coração inquieto pulsava mais do que o seu...
Faminto, você me colheu como a um fruto!
Sedenta, eu o bebi como a agua!
Você marcou seus dentes em minha carne,
eu escorri minha boca em seu pescoço,
e me perdi...e nos perdemos.

Seus braços tomaram minhas formas,
minha mão desenhou a sua pele,
nossas bocas se uniram e esquecemos o começo e o fim.

depois, quando falamos,
senti que você era realidade em minha vida.

E então...soprou um vento de imensa ventura.

Gizelda



1968- Direto do " tunel do tempo", há 40 anos.
O mais feliz é ter certeza de que vivi esse momento. O mais triste é não conseguir revivê-lo.