quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Feliz Natal!

domingo, 14 de dezembro de 2008

...



chega um dia em que já não importa que tudo fique assim. num alpendre de cal sobre uma ravina. por um transtorno do pensamento. tonto. tanto. de tanto que se pensa. e não se diz. e não se faz. monólogos em círculos rápidos. incisivos. espasmódicos. e a invisibilidade das brechas. quando o pensamento não acompanha o passo. o pensamento largo e o passo curto. o espaço entre. a distância volúvel na travessia do medo. a percepção do outro em dimensões absurdas. como se alguém pudesse ser asa plana. ou luz própria de um clarão definitivo. o desacerto a ser só uma breve pausa no cume da respiração. tão imperceptível que só o ar a sustenta. enquanto se força a compreensão e derrete o gelo. e depois a vida. exposta a três dimensões. e eu plana e líquida. a encolher-me para me descolar. mas a vida é uma ravina onde escorrego e me desminto. e assim me adentro como personagem de um filme dramático. ainda tento a reconstituição de um deslumbre. as pequenas e as grandes cenas. nesta minha propensão para desfazer brumas e conspirar cenários. depois subtraio-me à ilusão e fico-me pelo movimento lentíssimo que desenha o dia a preto e branco.
.

Lindíssimo ...Maria José Quintela.

in Cem anos de solidão



"O Coronel Aureliano Buendía arranhou durante muitas horas, tentando rompê-la, a dura casca da sua solidão. Os seus únicos momentos felizes, desde a tarde remota em que seu pai o levara para conhecer o gelo, haviam transcorrido na oficina de ourivesaria, onde passava o tempo armando peixinhos de ouro. Tivera que promover 32 guerras, e tivera que violar todos os seus pactos com a morte e fuçar como um porco na estrumeira da glória, para descobrir com quase quarenta anos de atraso os privilégios da simplicidade” (p. 166)

Imperdível...( Garcia Marques ).

"Ler Cem Anos de Solidão é sentir saudade, é contemplar o pôr-do-sol pensando em alguém, desejando seu abraço, seu olhar, o sorriso e ao mesmo tempo, a cada página lida, perceber que o fim está se aproximando, que o alaranjado celestial não é eterno e que aquele olhar/sorriso já não existe mais além da dor da lembrança.

É um livro sobre o tempo, um livro triste que vai rasgando por dentro, sereno, como se fosse um amor que estivesse acabando e nada mais se pudesse fazer além de esperar o fim.

"Gabriel García Márquez brinca com o tempo, transita no presente, vai pro futuro, volta pro passado… tudo numa naturalidade que não fragmenta, nem impede o fluxo da história. O melhor de tudo é que Gabriel García Márquez faz isso com simplicidade, deixando a impressão de que até parece ser fácil." by Thiago Corrêa

sábado, 13 de dezembro de 2008

Chegando de mansinho...



Aos poucos a paisagem foi se transformando...dias quentes e ensolarados tingem-se de vermelho, ouro e verde, pessoas agitadas circulam entre os carros, as lojas transbordam brinquedos pelas calçadas, a esperança paira no ar...

E às noites, luzes faiscantes tingem a cidade, onde todos se esforçam para serem felizes com pouco dinheiro e muitos sonhos...

Hummm...cheiro macio de pinheiros exalam lembranças da minha infância.Saudade.

Chegou Natal!Lindo...tão triste!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

AUSÊNCIA.



Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Liberdade...enfim.



Uma vontade imensa de correr na chuva...cantar...dançar...
A minha alma está livre.

domingo, 16 de novembro de 2008

Não quero o teu lenço...



«Deixa-me entrar na tua casa, sentar no teu sofá e chorar dias seguidos, sem parar, sem ter que parar, sem limpar as lágrimas alguém pode ver, sem disfarçar a dor, sem medo de ficar com os olhos inchados, o rosto disforme. Não tens que compreender nem te afligir.

Sou só eu a ser aquilo que sou em certos dias da vida – inconsolável. Não quero o teu lenço, obrigada, nem o teu ombro, nem água, apenas chorar sentada no teu sofá, chorar no teu cenário, manchar a tua normalidade, gritar dentro dela, fazê-la tremer um pouco. Chorar também por ti que não choras e é preciso de vez em quando. Nem te emocionas, apenas te ris e te preocupas e és malevolamente bom».

Histórias Improváveis – Ângela Leite

sábado, 15 de novembro de 2008

Há flores nos espinhos.



O cotidiano alterna-se entre o que aceito e o de que não gosto(...mas acabo sempre aceitando).Entretanto,aprender é sempre. Contundente.Por que é tão sofrido exercer o aprendizado, quando ele nos beneficia? Porque sempre há "o outro" a quem queremos preservar a qualquer custo. Mesmo às custas de renúncia, de auto-mutilação.

Impressionante o número de más surpresas que tenho encontrado pelo caminho.Quanto penso que elas se exauriram, eis que aparece uma nova e mal posso acreditar no que ouço.E aprendo mais um pouco, mesmo que doa.

Não sou ingênua, sei que não, talvez crédula demais...eis o motivo dos turbilhões.
Sempre soube que colocar expectativas “nos outros” é um erro. O que espero tanto , afinal? De quem? E por quê?

Por que me preocupo com que “os outros” pensam? Por que não me olho primeiro ? Por que relevo os defeitos “dos outros” e assumo culpas de algo que não me diz respeito? Por que não me reconheço boa o suficiente?...

Quem são “os outros”? O que eles significam na minha travessia?...

E eu, quem sou ?...

A resposta a todas essas questões me fazem certa de que conto comigo mesma,eu sou " a outra" a quem preciso agradar.Tenho que usar o que sei a meu favor.É fundamental para seguir em frente.

Devo e preciso me convencer definitivamente disso.

O resto é o que é...apenas resto.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Finalmente...Felizmente.



Algumas coisas são maiores do que nós. Avolumam-se e qual avalanche deslizam ruidosas, levando o que há pela frente.
E o que havia?
...promessa de paz, crença em pessoas(?!),esperança de luz, prognóstico de amanhã.
O que ficou?
...a frustração amarga, o desprezo pela arrogância,a impotência e...muito, muito alívio.
Quatro longos, longos e difíceis anos.
O ciclo se fechou.
Finalmente...
Felizmente!

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Dilema.




O dilema está em saber parar e partir.
Enquanto não se instala o cansaço e brilha ainda a surpresa no olhar.
Enquanto for possível partir sem doer demasiado.
Antecipar o gesto de renúncia antes de chegar o momento de viragem. Antecipar – se ao tédio.
Dobrar a esquina sem vacilar.
Existe sempre um limite, para lá do qual tudo se transforma na rotina que mata devagar.
Ter coragem de fixar esse ponto e dizer: basta! Vou morrer sem ti, mas é preciso salvar o amor.

Maria José Quintela -http://dolugardemim.blogspot.com

sábado, 18 de outubro de 2008

Manta.



Só, o meu corpo
deixa-se aquecer
sem saber da cor
da próxima onda.
As estações
passam e
eu anuncio os rios.
Em cânticos
e gritos que
nascem dentro
do olhar. Não
sei se me dispo
ou se me
escondo. Só sei
que a minha pele
terá sempre o cheiro
das suas mantas.

Mais uma vez o belíssimo texto de Pedro Branco.

domingo, 12 de outubro de 2008

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Machado de Assis é prá sempre!


Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para entro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; — e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior aquele judeu eram os seus ducados; perdê-los equivalia a morrer. "Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Vejam bem esta frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...

— Não?

— Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São almas enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde uma provedoria de irmandade, suponhamos. Pela minha parte, conheço uma senhora, — na verdade, gentilíssima — que muda de alma exterior cinco, seis vezes por ano. Durante a estação lírica é a ópera; cessando a estação, a alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um baile do Cassino, a Rua do Ouvidor, Petrópolis...

— Perdão; essa senhora quem é?

Excerto de uma( entre dezenas) pequena obra prima : O Espelho.
Conhecer Machado de Assis foi grandioso para minha alma.

domingo, 28 de setembro de 2008

(...)Não há grandeza onde não haja verdade ...



Ser feliz é, afinal, não esperar muito da felicidade, ser feliz é ser simples, desambicioso, é saber dosear as aspirações até àquela medida que põe o que se deseja ao nosso alcance. Pegando de novo em Tolstoi, que vem sendo em mim um padrão tutelar, lembremos de novo um dos seus heróis, o príncipe Pedro Bezoukhov (do romance 'Guerra e Paz'). As circunstâncias fizeram-no conviver no cativeiro com um símbolo da sabedoria popular, um tal Karataiev. Pois esse companheirismo desinteressado e genuíno, esse encontro com a vida crua mas desmistificadora, não só modificaram o príncipe Pedro como lhe revelaram o que ele precisava de saber para atingir o que nós, pobres humanos, debalde perseguimos: a coerência, a pacificação interior, que são correctivos da desventura.

Tolstoi salienta-nos que Pedro, após essa vivência, apreendera, não pela razão mas por todo o seu ser, que o homem nasceu para a felicidade e que todo o mal provém não da privação mas do supérfluo, e que, enfim, não há grandeza onde não haja verdade e desapego pelo efémero. Isto, aliás, nos é repetido por outra figura de Tolstoi, a princesa Maria, ao acautelar-nos com esta síntese desoladora: «Todos lutam, sofrem e se angustiam, todos corrompem a alma para atingir bens fugazes».

Fernando Namora, in 'Sentados na Relva'

domingo, 21 de setembro de 2008

Não se mede poesia...


-EXCREMENTO.
É isso o que eu penso do Sr. J. Evans Pritchard.
Não estamos ABRINDO VALETAS.
Estamos falando de POESIA.
COMO PODE DESCREVER A POESIA COMO SE FOSSE UM CONCURSO?
[...] Quero que RASGUEM essa página.
Vamos, RASGUEM a página.
Vocês me ouviram.
RASGUEM fora.
RASGUEM! Vamos! RASGUEM!
[...] ADEUS, J. Evans Pritchard, Ph.D.
ESTA É UMA BATALHA. É GUERRA.
OS FERIDOS PODEM SER SEUS CORAÇÕES E ALMAS.
Exércitos de acadêmicos avançando, MEDINDO A POESIA.
NÃO! NÃO aceitaremos isso.
CHEGA de Sr. J. Evans Pritchard.
[...] Não importa o que digam, PALAVRAS E IDÉIAS PODEM MUDARO MUNDO.
[...] NÃO LEMOS NEM ESCREVEMOS POESIA PORQUE É BONITINHO.
LEMOS E ESCREVEMOS POESIA PORQUE SOMOS HUMANOS.
A RAÇA HUMANA ESTA REPLETA DE PAIXÃO.
E medicina, advocacia, administração e engenharia
São objetivos nobres e necessários para manter-se vivo.
Mas a POESIA, BELEZA, ROMANCE, AMOR...
É PARA ISSO QUE VIVEMOS.”

[fala do Sr. John Keating (protagonizado por Robin Williams),
professor de literatura da Academia Welton,
diante do prefácio “Entendendo poesia”,
do Dr. J. Evans Pritchard, Ph.D.,
no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”,
de Tom Schulman, dirigido por Peter Weir]

sábado, 20 de setembro de 2008

"Lei do Palhaço"( mensagem de um professor)



"Conta certa história que numa determinada cidade apareceu um circo.
Entre os seus artistas havia um palhaço, com um poder de divertir, sem medida, as pessoas da platéia. O riso que provocava era tão bom, tão profundo e natural que se tornava terapêutico.
Todos os que padeciam de tristezas agudas ou crônicas passaram a ser indicados pelo médico do lugar para que assistissem ao tal artista, que ele mesmo tinha visto atuar e que possuía o dom de fazer reduzir ou até mesmo eliminar angústias.

Um dia, porém, um morador desconhecido, tomado de profunda depressão, procurou o médico. Este então, sem relutar, indicou o circo como o lugar de cura de todos os males daquela natureza, de abrandamento de dores da alma, de iluminação de todos os cantos escuros de um "jeito perdido" de ser, de tristezas com ou sem causa.
O homem nada disse, levantou-se, caminhou em direção à porta
e quando já estava saindo, virou-se, olhou o médico nos olhos e sentenciou:
"Não posso procurar o circo... aí está o meu problema:
eu sou o palhaço!".


Como professor vejo que, muitas vezes, sou esse palhaço, alguém que trabalhou para construir os outros e não vê resultado muito claro daquilo que fez e faz.
Tenho a impressão que ensino no vazio (e sei que não estou só nesse sentimento)
porque depois de formados, meus ex-alunos parecem se acostumar rapidamente com aquele mundo de iniqüidades que combatíamos.
Parece que quando meus meninos(as) caem no mercado de trabalho, a única coisa que importa é quanto cada um vai lucrar, não importando quem vai pagar essa conta
e nem se alguém vai ser lesado nesse processo.
Aprenderam rindo, mas não querem passar o riso à frente e nem se comovem com o choro alheio.

Digo isso, até em tom de desabafo, porque vejo que cada dia mais meus alunos
se gabam de desonestidades. Os que passam os outros para trás são heróis e os que protestam são otários, idiotas ou excluídos. É uma total inversão de virtudes, de conceitos...
Vejo, encabulado, que alguns "professores" partilham daquelas mesmas idéias "modernas", defendem-nas em sala de aula e na sala de professores
e chegam até a se vangloriar disso. Essa idéia vem me assustando cada vez mais,
desde que repreendi, numa conversa com alunos, o comportamento do cantor Zeca Pagodinho, no episódio da guerra das cervejas, e quase todos disseram que o cantor estava certo, tontos foram os que confiaram nele!
"O importante, professor, é que o cara embolsou milhões", disse-me um; outro: "daqui a pouco ninguém lembra mais... no Brasil é assim, e ele vai continuar sendo o Pagodinho, só que um pouco mais rico".
Todos se entreolharam e riram; só eu, bobo que sou, fiquei sem graça.
O pior é que a gente se dá conta que no Brasil é assim mesmo,
o que vale é a lei de Gérson: "o importante é levar vantagem em tudo".
(Lei de Gérson... dá para rir...)

A pergunta é: É possível, pela lógica, que todo mundo ganhe? Para alguém ganhar é óbvio que alguém tem de perder?

A "lógica" que rola solta por aí - ao que tudo está a indicar - é guardar o troco a mais recebido no caixa do supermercado; é enrolar a aula fingindo que a matéria está sendo dada; é fingir que a apostila está aberta na matéria dada, mas usá-la como apoio enquanto se joga batalha naval, jogo da velha ou alguma outra coisa; é cortar a fila do cinema ou da entrada do show; é dizer que leu o livro, quando se ficou só no resumo (feito por outrem, geralmente )- ou na conversa com quem leu;
é marcar só o gabarito, copiado do vizinho,
a prova em branco, alegando que "fez as contas de cabeça" ou que "tava na ponta da língüa"; é comprar na feira uma dúzia de quinze laranjas; é bater num carro parado e sair rápido, antes que alguém perceba; é brigar para baixar o preço mínimo das refeições nos restaurantes universitários, para sobrar mais dinheiro
para a cerveja da tarde ou a balada da noite; é arrancar as páginas ou escrever nos livros das bibliotecas públicas; é arrancar placas de trânsito e colocá-las
de enfeite no quarto; é trocar o voto por facilidades, empregos ou algo que se traduza em "algum"; é fraudar propaganda política mostrando ser ou ter realizado aquilo que nunca se foi ou que jamais se fez
(assim como tantas duplas sertanejas, esta, Lula e Duda, incluída).

É a lógica da perpetuação da burrice. Quando um país perde, todo mundo perde.
E não adianta pensar que logo bateremos no fundo do poço, porque o poço não tem fundo.Parafraseando Schopenhauer: "Não há nada tão desgraçado na vida da gente que ainda não possa ficar pior".

Se os desonestos brasileiros voassem, nós nunca veríamos o sol.
Felizmente há os descontentes, os lutadores, os sonhadores, os que querem manter o sol aceso, brilhando e no alto.A luz é e sempre foi a metáfora da inteligência.
No entanto, de nada adianta o conhecimento sem o caráter.Que nas escolas seja tão importante ensinar Literatura, Matemática, História, Biologia e Educação Física quanto decência, senso de coletividade, coleguismo e respeito por si e pelos outros.
Acho que o mundo (e, sobretudo, o Brasil) hoje está a precisar
mais de gente e de gente honesta do que de literatos, historiadores ou matemáticos.

Ou o Brasil encontra e defende essas dignidades e abomina Zecas, Gérsons, Dirceus, Dudas (e todos os marqueteiros de eterno plantão para se darem bem),
esses que chamam desonestidades flagrantes de "espertezas técnicas",
ou o Brasil passa de "país do futebol mas de futuro" para "país do futefuro". Zipado e compacto.
De um Presidente da República espera-se mais do que choro e condecoração a garis honestos, espera-se honestidade em forma de trabalho e transparência. De professores, espera-se mais que discurso de bons modos, espera-se que mereçam o salário que ganham (pouco ou muito) agindo como quem é honesto. Sobretudo agindo como educadores, vendo no próximo, no jovem à sua frente, alguém como um filho seu que tivesse nascido em outro lar.
A honestidade não precisa de propaganda, nem de homenagens, precisa de exemplos.
Quem plantar joio, jamais colherá trigo.

Quando reflexões assim são feitas, cada um de nós se sente o palhaço perdido no palco das ilusões. A gente se sente vendendo o que não pode viver,
não porque não mereça, mas porque não há ambiente para isso.
Quando seria de se esperar uma vaia coletiva pelo tombo, pelo golpe dado na decência, na coerência, na credibilidade, no senso de respeito,
vemos a população em coro delirante gritando "bis" e, como todos sabemos, um bis não se despreza.
Então, uma pirueta, duas piruetas, bravo! bravo!
E vamos todos rindo e afinando o coro do "se eu livrar a minha cara, o resto que se dane”.

Enquanto isso o Brasil de irmã Dulce, de Manuel Bandeira, do Betinho, de Clarice Lispector, de Chiquinha Gonzaga e de muitos outros heróis e heroínas,anônimos que diminuíram a dor desse país com a sua obra, levanta-se, caminha em silêncio até a porta, vira-se e diz: "Esse é o problema...
eu sou o palhaço".

O original deste texto foi enviado por:
Prof. Sílvio Camerino P. Barreto.
(Solar Camerino - Recife - Pernambuco)

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

in "Memorial do Convento"




São onze os supliciados. A queima já vai adiantada, os rostos mal se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltazar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a BLIMUNDA

José Saramago

sábado, 13 de setembro de 2008

Vazio.





Começo de noite poeirento e triste. Mais um sábado se vai...sem ser.

Carta sobre a felicidade (a Meneceu)



[...] Consideremos que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo. Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo, não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela su ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir.
[...]
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. [...]

Consideremos ainda a auto-suficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita. Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente
as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor as vicissitudes da sorte.

Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é a ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. [...] a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas. [...]

Epicuro

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Impotência.



Quando dinheiro, lucro e outros semelhantes são a mola que move o mundo, os seres humanos são descartados, reificados, e vêem sua vida ruir em segundos, porque são pessoas absolutamente sozinhas contra o poder.
Não importa quem somos, mas quanto valemos em um mercado que nos reduz a coisas,onde pessoas (será?) que olham números , contam moedas e nos deixam a incrível sensação de pertencer a um reino de animais.( perdoem-me os últimos, porque a comparação é absolutamente ofensiva a eles) .
Impotência. Nojo.Asco.Como o ser humano pode se aviltar assim?

"Decepção não mata, ensina a viver"

sábado, 6 de setembro de 2008

Eu Sei Que Vou Te Amar



Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu vou te amar
A cada despedida
Eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar..

E cada verso meu será
Prá te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida...

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa tua ausência me causou...

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida...

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu vou te amar
A cada despedida
Eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar...

E cada verso meu será
Prá te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida...

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa tua ausência me causou...

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida...

Vinícius de Morais/Tom Jobim

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

...



É necessário abrir os olhos e perceber
que as coisas boas estão dentro de nós,
onde os sentimentos não precisam
de motivos nem os desejos de razão.
O importante é aproveitar o momento
e aprender sua duração,
pois a vida está nos olhos de quem sabe ver"


Gabriel Garcia Marques

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Estações.




Perdi-te de vez no embalo do meu cantar
Rasguei-te tudo o que tinhas
O peito e as andorinhas
Que na Primavera se faziam alegres ao mar
Sei que os caminhos são diferentes agora
Que o meu coração inquieto está vazio
Não sinto nada, nem mesmo aquele rio
Que no Outono corria sem nunca se ir embora
Queria o tempo todo novamente
Um sorriso, um olhar apenas
Talvez um jardim de açucenas
Que no Verão me fazia saltar desejoso e quente
Morrerei um dia sozinho
Perto demais de todas as lembranças
Entre versos de veludo, lágrimas e danças
Que este Inverno sou eu, em solidão de mansinho.

Pedro Branco...
eu gostaria muito de ter escrito esse texto!

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Amor de Longo Alcance



Durante sete anos , separados pelo destino, amaram-se a distância. Sem que um soubesse o paradeiro do outro, procuravam-se através dos continentes, cruzavam pontes e oceanos, vasculhavam vielas, indagavam. Bússola de
longa busca, levavam a lembrança de um rosto sempre mutante, em que o desejo, incessantemente, redesenhava os traços apagados pelo tempo.

Já quase nada havia em comum entre aqueles rostos e a realidade, quando enfim, num praça se encontraram. Juntos, podiam agora viver a vida com que sempre haviam sonhado.Porém cedo descobriram que a força do seu passado amor era
insuperável.

Depois de tantos anos de afastamento, não podiam viver senão separados, apaixonadamente desejando-se. E, entre risos e lágrimas, despediram-se, indo morar em cidades distantes.

Marina Colasanti

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

...



estamos sós entre a memória da infância e a estação do esquecimento. como se entrássemos a meio da viagem. sem ninguém nos perguntar o destino.

medimos o tamanho da vida pelo consumo do tempo. e nem por isso suspendemos a respiração.

no instante de um pulsar uma ave bate as asas. uma árvore tomba fulminada. o corpo apaga-se como uma vela. e isto é tudo.

nada sabemos do sono que nos destina o relógio alojado no peito. nem do destino reservado às cinzas.

Maria José Quintela

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Eu.



Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. -
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito?Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado?
Sem dúvida...
Tenho um presente?
Sem dúvida...
Terei um futuro?
Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...

[Alvaro de Campos]

sexta-feira, 4 de julho de 2008

...



O prazer que tu esperas varia na razão inversa do tempo de o esperares. E da inquietação também. Porque quanto mais esperas e te inquietas, menos prazer ele é. Espera-o no infinito para te não inquietares. E que ele seja depois o prazer que for. Mas o contrário também é verdadeiro.

Vergílio Ferreira
in, «Pensar»

domingo, 29 de junho de 2008

Vou, sou, nao sei bem...



Cada peso da palavra me magoa.Rompe-me os silêncios por entre as memórias e as viagens.Tudo é rouquidão, cansaço, inquietação que atordoa os secretos trilhos de todas as passagens
Vou, sou, não sei bem.
Caio, grito, talvez demais.Choro, sonho, tudo tem os pedaços de terra por onde vais.
Tudo é fogo, ardente caminhar.
Vertigem, retalhos, suor em sargaço.Que de tanto eu ser rio e ser mar, morro, renasço em tudo o que faço.

Lindo. (Pedro Branco 6/27/2008 )

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Aninha e suas pedras



Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Cora Coralina (Outubro, 1981)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Há dias...



“Há dias em que a melancolia chove dentro de nós como num pátio interior, atapetado de jornais velhos. Não se ouve, não se sente - mas rebrilha na sujidade densa. Eu estava num desses dias quando afastei a cortina e olhei pela janela a tarde que se ofuscara de repente, com pressa de se evadir da atmosfera enfastiada e, sobretudo, de um cenário sem alegria…”. (…)

“Mas em fechando a cortina tudo isso desaparecia: eis-me de novo isolado no gabinete fofo, de paredes que, a partir de certo momento, me davam a sensação irrespirável de uma espessura acolchoada onde tudo ficava retido: a fadiga, o silêncio…"


Fernando Namora - Retalhos da Vida de Um Médico

terça-feira, 3 de junho de 2008

Não foi há muito tempo que nasci...



«Saboreei por muito tempo a minha vida perdida; pensei com alegria que a minha juventude tinha passado, porque é uma alegria sentir o frio invadir-nos o coração, e poder dizer, tateando-o com uma mão, como uma lareira que ainda fumega: já não queima. Lentamente fui recordando todas as coisas da minha vida, ideias, paixões, dias de cólera, dias de luto, latejos de esperança, tormentos de angústia. Revi tudo, como um homem que visita as catacumbas e contempla lentamente, dos dois lados, os mortos alinhados uns a seguir aos outros.

Todavia, se contar os anos, não foi há muito tempo que nasci, mas tenho inúmeras recordações que me oprimem, como os velhos são oprimidos por todos os dias que viveram; às vezes, parece-me que já vivo há séculos, e que o meu ser contém os restos de mil existências passadas. Por quê? Amei? Odiei? Procurei alguma coisa? Ainda duvido; vivi à margem de todo o movimento, de toda a ação, sem me mexer, nem pela glória, nem pelo prazer, nem pela ciência, nem pelo dinheiro.
Ninguém, nem aqueles que me viam todos os dias, nem os outros, soube alguma coisa do que vai seguir-se…»


Novembro, de Gustave Flaubert

domingo, 1 de junho de 2008

Escreve...não te deixes vencer.




«As pessoas nem poderiam calcular que dor era aquela. Às vezes, ah, quão perto lhe parecia estar do alvo. Quão perto do instante do combate. E então, curiosamente, sentia-se, ou julgava sentir-se, como os pugilistas. Era assim: os dedos das mãos pediam exercício, pediam uso, até pediam violência. E punha-se a esticá-los e a flecti-los, ou a bater com a mão fechada na concavidade da outra mão, como se estivesse nas vésperas de subir ao ring para uma disputa decisiva, contra um último e impiedoso adversário.
Corria à mesa de trabalho, afastava os papéis intrusos – perante si apenas a tal dúzia de folhas impecáveis que queriam ser violadas. Vamos a isto, André. Insiste, André. Chora de raiva, se for preciso. Escreve uma vez, outra, mais outra, emenda, rasga, destrói, recomeça – não te deixes vencer. Isto é um combate, André, o teu combate. Sobe ao ring para te medires com o mais duro dos adversários – tu próprio, desencantado e incrédulo.»

O Rio Triste, de Fernando Namora

sábado, 31 de maio de 2008

in Húmus.



Há no mundo uma falha. Os poentes são labaredas roxas: resquícios de escarlate, dois, três jactos violetas que se estendem pelo céu - uma maravilha quimérica. A primavera prolonga-se: superabundância de flores nas árvores, espiritualidade na matéria, como se as árvores fossem morrer. Mais flores, mais poentes onde o ouro e o roxo predominam, mais gritos no mundo, mais vulcões de cores, que pressagiam catástrofes, e um ruído apagado, esquisito, insuportável dentro de nós próprios, que só comparo ao som de uma borboleta esvoaçando contra as paredes de um vaso.

É a morte que faz falta à vida.

HÚMUS - Raul Brandão

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Desobrigar-se do compromisso.



Não digamos, Amanhã farei, porque o mais certo é estarmos cansados amanhã, digamos antes, Depois de amanhã, sempre teremos um dia de intervalo para mudar de opinião e projeto, porém ainda mais prudente seria dizer, um dia decidirei quando será o dia de dizer depois de amanhã, e talvez um dia preciso, se a morte definidora vier antes desobrigar-me do compromisso, que essa, sim, é a pior coisa do mundo, o compromisso, liberdade que a nós próprios negamos..."

Excerto do livro de José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Amor bastante



quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante.

Paulo Leminski

terça-feira, 20 de maio de 2008

A morte é uma viagem...



“A morte é uma viagem e a viagem é uma morte.Partir é morrer um pouco. Morrer é verdadeiramente partir, e só se parte bem, corajosamente, nitidamente, quando se segue o fluir da água, a corrente do largo rio. Todos os rios desembocam no Rio dos Mortos. Apenas essa morte é fabulosa. Apenas essa partida é uma aventura.”


“Tudo quanto a morte tem de pesado, de lento, é igualmente marcado pela figura de Caronte. As barcas carregadas de almas estão sempre a ponto de soçobrar [...]

A morte é uma viagem que nunca acaba, é uma perspectiva infinita de perigos. Se o peso que sobrecarrega a barca é tão grande, é porque as almas são culpadas. A barca de Caronte vai sempre aos infernos. Não existe barqueiro da ventura.”

Bachelard (1997, p. 77,81,82) in "O Complexo de Caronte", o barqueiro dos infernos

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Canção na Plenitude.



Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.

Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

Lya Luft

domingo, 18 de maio de 2008




“A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada”.

Lya Luft -"O Ponto Cego".

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Será?...



Se, antes de começarmos a falar, determinarmos e escolhermos, previamente, as palavras, a nossa conversa não será vacilante nem ambígua.

Se em todos os nossos negócios e empresas determinarmos e planejarmos, previamente, as etapas da nossa atuação, obteremos o êxito.

Se determinarmos com bastante antecedência a nossa norma de conduta na vida, em nenhum momento seremos assaltados pela inquietação.

Se sabemos, previamente, quais são os nossos deveres, será fácil dar-mo-lhes cumprimento.

Confúcio, in 'A Sabedoria de Confúcio'

quinta-feira, 1 de maio de 2008

A imensa ventura...



E então...
soprou um vento de imensa ventura.

Eu senti meu coração, dourado de sol,
transbordando de amor, transbordante de você...
Olhei seus olhos e me vi neles.

De repente, você tomou-me nos braços, afagou-me a cintura,
recolheu-me em seu peito.
Meu coração inquieto pulsava mais do que o seu...
Faminto, você me colheu como a um fruto!
Sedenta, eu o bebi como a agua!
Você marcou seus dentes em minha carne,
eu escorri minha boca em seu pescoço,
e me perdi...e nos perdemos.

Seus braços tomaram minhas formas,
minha mão desenhou a sua pele,
nossas bocas se uniram e esquecemos o começo e o fim.

depois, quando falamos,
senti que você era realidade em minha vida.

E então...soprou um vento de imensa ventura.

Gizelda



1968- Direto do " tunel do tempo", há 40 anos.
O mais feliz é ter certeza de que vivi esse momento. O mais triste é não conseguir revivê-lo.

domingo, 27 de abril de 2008

Descobrindo-se...



(...) enfrentei pela primeira vez o meu ser natural enquanto decorriam os meus noventa anos. Descobri que a minha obsessão de que cada coisa estivesse no seu lugar, cada assunto no seu tempo, cada palavra no seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente ordenada mas, pelo contrário, um sistema completo de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza.

Descobri que não sou disciplinado por virtude, mas como reacção contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que passo por prudente por ser pessimista, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que não se saiba que pouco me importa o tempo alheio.

Descobri, por fim, que o amor não é um estado de alma mas um signo do Zodíaco.

Gabriel García Marquez, in 'Memória das Minhas Putas Tristes'

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Um Paradoxo.



Há uma grande diferença entre viver com alguém e viver em alguém. Pessoas há em quem somos capazes de viver sem que consigamos viver com elas. E há os casos inversos. Só uma extrema pureza do amor e da amizade está em condições de juntar as duas coisas.

O homem só pode viver com os que se lhe assemelham. E ao mesmo tempo não pode viver com eles, porque não suporta que alguém se lhe assemelhe eternamente.

Quando duas pessoas estão inteiramente satisfeitas uma com a outra, podemos ter quase sempre a certeza de que estão ambas enganadas.

Wolfgang von Goethe, in 'Máximas e Reflexões'

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Sem Mim.



Precipito-me em mim sem palavras, sem tempo. Caio num buraco escuro sem respiração. Abro os olhos sem forças. Fecho as mãos geladas. O meu corpo não pede nada. Silêncio talvez. Quietude. Sentir que os dias vão passando sem se perderem. Desperdício? Precipício! Vagueio pelos sons e aromas à minha volta em vertigem permanente. Imune. Incolor. Intransparente. Vazio. Um estado lacrimejante demasiadamente doloroso para mim onde os rios secam. Preciso de um beijo. Um abraço. O ar que respiro está poluído. Asfixia-me e penetra-me nos sonhos inertes. Quero a minha respiração. Nada que tenha em mim. Que de mim tudo se sente feio e sem sorrisos. Vou correr na praia. Gritar na praia. Saltar na praia. Deixar-me levar em cada grão de areia ou onda e talvez voltar. A mim...

Pedro Branco in "Das palavras que nos unem"

sábado, 5 de abril de 2008

Renascendo....




Terminei há pouco de ler “ Sagarana “ pela sétima ou oitava vez, acho. Não importa. O que realmente importa é que estou impregnada de Guimarães Rosa e , toda vez que isso acontece, sinto-me renascer...

È como se um mundo encoberto se descortinasse e me mostrasse caminhos, atalhos, vidas possíveis que ainda não vivi, possibilidades...

Mal sei como me expressar , só sei que é uma enormidade.
É como se uma onda gigantesca se avolumasse dentro de mim...

... isso é , no mínimo, maravilhoso!

quarta-feira, 26 de março de 2008

A inocência do amor.



Aquilo que de verdadeiramente significativo podemos dar a alguém é o que nunca demos a outra pessoa, porque nasceu e se inventou por obra do afeto. O gesto mais amoroso deixa de o ser se, mesmo bem sentido, representa a repetição de incontáveis gestos anteriores numa situação semelhante. O amor é a invenção de tudo, uma originalidade inesgotável. Fundamentalmente, uma inocência.

Fernando Namora, in 'Jornal sem Data'

quinta-feira, 20 de março de 2008

Sonho criado...




(…)

Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espectáculo que posso. Assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo, sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis.

(…)

Livro do Desassossego – Fernando Pessoa

domingo, 16 de março de 2008




É, no mínimo,corajoso o ato de acomodar-se no silêncio e olhar a própria vida...
Buscar lá atrás respostas para uma inquietação permanente e descobrir quantas equivocadas escolhas nos levam à situações indesejáveis e sem volta...

sábado, 15 de março de 2008

Quanto ao futuro...



Todo espírito preocupado com o futuro é infeliz. O mais corriqueiro dos erros humanos é o futuro. Ele falseia a nossa imaginação, ainda que ignoremos totalmente onde nos leva.

Quando pensamos no futuro, nunca estamos em nós. Estamos sempre além. O medo, o desejo, a esperança jogam-nos sempre para o futuro, sonegando-nos o sentimento e o exame do que é, para distrair-nos com o que será, embora o tempo passe e já não sejamos mais.


Montaigne

sexta-feira, 14 de março de 2008




"Há duas formas de se enganar:
Uma, acreditar naquilo que não é;
Outra, recusar-se a acreditar naquilo que é"


Kierkegaard